Infelizmente não encontrei a data certa da publicação dessa história no jornal Última hora, no qual Nelson Rodrigues mantinha uma coluna intitulada A vida como ela é, presente no livro de mesmo título (uma compilação feita pelo próprio autor, em 1961).
Esse conto destoa dos demais contidos no livro principalmente pelo tom sombrio e carregado.
É uma história pesada, que nada tem a ver com adultério (tema da esmagadora maioria).
Aqui, o leitor acompanha a história de um médico de meia idade, bonachão, bondoso, caridoso, etc. Era considerado um santo pela vizinhança. Adorava crianças, não podia ver um órfão que se compadecia. Até que um belo dia resolve usar todos o seu dinheiro para abrir um orfanato para meninas. Contratou uma senhora, também conhecida de todos, ex-parteira, como diretora do orfanato. Fazia questão de dizer a todos que não morava lá. Afinal, nunca se sabe o que as más línguas poderiam dizer. Abria o orfanato para jornalistas que quisessem escrever sobre esse estabelecimento maravilhoso.
Até que um dia, um desses jornalistas publica uma matéria nada lisonjeira sobre o doutor e seu orfanato, contando a todos que aquilo nada mais era do que "uma fábrica de anjinhos". E a leitura caminha para um fim trágico e desolador.
Conto de fazer fechar o livro, deixá-lo de lado, e pensar no quão lama o ser humano pode ser.
"Tinha 45 anos e usava ceroulas, dessas que se amarram nas canelas, com duas voltas.
Cumprimentava todo mundo, sem distinção de classe, idade ou cor. Essa cordialidade indiscriminada
impressionava muitíssimo. Dizia-se dele, de uma maneira entusiasta e unânime:
- Aquilo é um santo!
E ele:
- Faz-se o que se pode! Faz-se o que se pode!"
(p. 123)
"Sonhara que uma voz o induzira a sair, pelo mundo, em prol das crianças órfãs do Brasil.
Os amigos, assustados, inclinaram-se a ver, ali, um sintoma de insanidade mental.
Houve um, mais íntimo e confiado que os demais, que sugeriu: "Você precisa casar! Olha: eu conheço uma viúva daqui!"Mas já o destino do dr. Basílio estava traçado. "
(p. 124)
Onde encontrar o conto Cemitério de bonecas: A vida como ela é, de Nelson Rodrigues
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