CONTO #17: A família do vurdalak (Aleksei Tolstói)


          Publicado em 1839, A família do vurdalak é um conto de vampiro escrito por um Tolstói, que não é o de Guerra e paz; é seu primo. Aqui, o autor prepara o ambiente para sua história macabra colocando o personagem principal, que é também o narrador de 95% do conto, em uma reunião aristocrática em que vários dos convidados compartilham histórias de horror. O narrador em terceira pessoa, então, passa a bola para o nosso personagem, que narra uma história verídica, que teria acontecido com ele mesmo, já que as histórias inventadas, ou que aconteceram "com o amigo do meu primo" compartilhadas até então, estavam tediosas. Muito bem. Quando jovem, o narrador fez uma viagem a negócios e precisou se hospedar em uma estalagem de família. Bem recebido por todos, passou a conviver com a família e a observar sua história. Aparentemente, o pai da família teria saído há dez dias para lutar contra os turcos, e teria avisado à esposa e aos filhos de que, caso não voltasse em dez dias, se ele aparecesse depois desse prazo em casa, eles deveriam matá-lo, pois ele teria se tornado um vurdalak (vampiro). Eis que o narrador chega a estalagem exatamente no décimo dia; todos os membros da família esperam apreensivos pelo retorno do pai que ainda não veio - e, no fim daquela tarde, o pai retorna. Primeiro, paira a dúvida (bem, tecnicamente aquele ainda é o décimo dia...); mas o pai só volta ao cair da noite, e - estranho.
          Eis um conto de vampiro interessantíssimo, sombrio, e com imagens realmente assustadoras.

"'Essas hitsórias', nos disse ele, 'são deveras espantosas, mas falta-lhes um ponto essencial que é a autenticidade. Que eu saiba, nenhum dos senhores testemunhou com os próprios olhos essas narrativas maravilhosas nem pode jurar por elas, como cavalheiros que são."
(p.27)

"Tive a impressão de ver a porta se abrir lentamente e o velho Gorcha aparecer na soleira. Mas eu mais pressentia sua forma do que a via, pois estava bem escuro no quarto de onde ele via. Parecia-me que seus olhos apagados tentavam adivinhar meus pensamentos e seguiam o movimento de minha respiração. "
(p.34)

"O velho Gorcha uivou e se pôs a correr na direção do bosque com uma velocidade tão pouco característica de sua idade que mais parecia coisa sobrenatural."
(p.41)

Onde encontrar A Família do Vurdalak: O vampiro antes de drácula

(*Essa coletânea de contos de vampiros aparentemente é mais fácil de encontrar do que o livro da foto acima, Contos de Horror do século XIX)

Meu Minuto Predileto (por Hpcharles)

 
                                                                                             Rio de Janeiro, 13.3.14
 
Um adulto leva em média um minuto para ler 350 palavras. A luz do Sol leva 8 minutos e 18 segundos para chegar à Terra. Uma cobra leva 2 minutos para engolir um sapo. Uma pessoa normal leva 7 minutos para adormecer. O cianeto pode matar em 2 minutos. Uma centopeia leva 3 minutos e 25 segundos para percorrer 100 metros. Um jogador profissional corre até 11 Km em 90 minutos. Um orgasmo masculino dura entre 5 e 8 segundos.
Talvez nada disso seja interessante ou importante para você. Tampouco o é para mim. Pois eu sei qual é o meu minuto predileto. Ele é o minuto anterior ao que você desce do ônibus na rodoviária. É o mesmo minuto que leva o tempo de meu carro dobrar a esquina na Alameda Campinas e chegar ao hotel, sabendo que vou te encontrar sentada no sofá do lobby, esperando por mim, com um carinho embrulhado em fita de cetim. Esse é o meu minuto predileto. Só meu.
Pouco me importa, ao longo desse minuto, se a luz do sol chegará à Terra. Pouco me importa se o cianeto pode matar em dois minutos, pois ainda teria o meu minuto predileto resguardado. Isso é o tanto que me importa o meu minuto. Que não divido com ninguém, apenas contigo. Ele é inalienável, irrevogável e indelével para mim.
Esse minuto é, acima de tudo, paradoxal, na medida em que sua supressão determinará o início do que mais desejo em meu coração. Outros incontáveis minutos de vida a dois, plena e remansosa. Ainda assim, sempre continuarei a ânsia-lo em minhas lembranças, começando na virada da esquina ou na descida dos degraus do ônibus e terminando, perpétuo, com um beijo na boca.
Ele sempre estará lá. Perene. Como se fora esculpido em mármore. Consignado em boletos de passagens de ônibus, carimbado em recibos de pedágio, em notas de cafés comprados na esquina. É por isso que ele é o meu minuto predileto. Porque é estupendo. E porque é meu.
Eis aí o meu minuto predileto. Aquele que começa em meu desejo de estar contigo e termina fazendo de mim um homem melhor.

CONTO #16: A Nevasca (Tolstói)



          Publicado em 1856, A Nevasca (Metel) conta a história desse narrador que precisa fazer uma viagem de uma estação à outra. Não sei vocês, mas quando comecei a ler este conto, fiquei com a impressão de que seria uma viagem curta, rapidinha, logo ali! Porém, não é o caso. Ou, talvez seria não fosse a nevasca que o narrador, o amigo que o acompanha e o cocheiro precisam enfrentar. E, como o próprio título já diz, é A Nevasca. Com letras maiúsculas. 
          Tenho a impressão de que esse pode ser um conto um tanto monótono e cansativo para alguns de nós, leitores que nunca precisamos atravessar uma nevasca. A viagem é lenta, e essa lentidão é retratada no texto, não só quando descreve o trajeto, mas os pensamentos, as ações, etc. Trata-se de um conto em câmera lenta. O frio extremo também tem seu papel no conto. A febre causada pela intempérie, que leva o narrador a delirar e misturar o que está acontecendo no momento com memórias da infância, também. 

"Eu não tinha vontade de voltar; mas vagar sem rumo a noite inteira no meio da nevasca e do frio gelado numa estepe completamente nua, como era aquela parte da Terra das Tropas do Don, não parecia nada divertido. "
(p.342)

"(...) eu tinha visto a estrada apenas na imaginação, já não enxergava mais o trenó. Comecei a gritar: "Cocheiro! Aliochka!", mas minha voz - eu sentia como o vento a apanhava direto na minha boca e no mesmo instante a levava para longe de mim."
(p.347)

"Em vão os olhos procuram algum novo objeto: nem marcos da estrada, nem montes de feno, nem cercas - não se vê nada. Em toda parte, tudo é branco, branco e imóvel (...)"
(p.357)

"'Será que estou morrendo congelado?', pensei no meio do sono. 'O congelamento sempre começa com o sono, é o que dizem''(...)"
(p.373)


Onde encontrar A Nevasca: Contos Conpletos Liev Tolstói

CONTO #15: Uma história maluca (Gilert Keith Chesterton)


          Publicado em 1897, Uma história maluca (A Crazy Tale) é um conto sobre um homem que, certa vez, sentado em um restaurante, é interpelado por um estranho bem apessoado. Esse estranho tem a boa ideia de contar para o homem no restaurante, uma história maluca que aconteceu com ele; temos a impressão de que ele tem a necessidade de contar os acontecidos a alguém; mais do que isso: precisa se ouvir contando o que aconteceu - talvez para alcançar a compreensão dos fatos, coisa que deixa claro, desde o início, não ter. Essa história causa um estranhamento tamanho ao interlocutor, que passa a esperar pelo apocalipse, só para se ter uma ideia. A narrativa do estranho bem vestido envolve um passeio pelos campos, durante o qual encontra seres fantásticos como gigantes (tornando-se ele mesmo um gigante em certa parte da narrativa), se casa com uma mulher, com quem vive por dez anos, conhece outros personagens com quem tem conversas estranhamente filosóficas. Tudo se passa muito rapidamente, como em um sonho, e culmina com o momento em que ele se lembra do que tinha esquecido: de que tinha nascido.
          Pense em Alice no país das maravilhas para adultos: foi com a impressão de ter lido algo assim que fiquei quando terminei de ler esse conto.
          A história contada não faz o menor sentido; o estranho procura compreender a própria história enquanto a conta ao narrador que é deixado com mil pontos de interrogações que nunca serão resolvidos, e, por consequência, o narrador nos deixa assim, também: ele coloca no papel uma história para a qual não vê significado para que outros a leiam e, assim, espera tirar dela algum sentido. E assim, o conto segue não fazendo sentido eternamente.
          Genial.

"Só eu ouvi as palavras dele; e desde esse dia me preparei para o Apocalipse, esperando a notícia de uma reviravolta inacreditável nas questões humanas."
(p. 45)

"A minha história começa quando eu andava por um lugar ainda verde. As palavras soam estranhas e sem sentido mesmo para os meus ouvidos, mas há um motivo para essa falta de sentido."
(p.46)

"Eu sou o primeiro a ver o mundo. Existiram profetas e sábios, e dos corações deles saíram escolas e igrejas. Mas sou o primeiro a ver um dente-de-leão tal como ele é."
(p.53)

"'Eu nunca entendi', disse ele. "Essas duas criaturas que vejo em todos os lugares, andando com passos pesados, primeiro um pé, depois o outro. Nunca fiquei satisfeito com a explicação comum de que eram os meus próprios pés."
(p. 56)

Onde encontrar Uma história maluca: *Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as idades - Volume 1 (selecionados por Harold Bloom)

*Esse livro foi uma indicação da Claire Scorzi :)

CONTO #14: Library (Ali Smith)



          Publicado em 2015 numa coletânea de contos que ainda não foi traduzida por aqui, Library (assim, mesmo, tachado - por algum motivo o título do post não aceitou meu comando para tachar a palavra...) é uma história verídica. A autora nos conta sobre o dia em que se encontrou com seu editor, e, a caminho do escritório, eles se depararam com uma biblioteca que nunca haviam notado antes. Ao adentrar o recinto, notam que tudo é pintado de preto, pessoas se reunem ao redor de mesas e bebem sua cervejinha, e - não há livros.
          Conforme a leitura, me lembrei do conto "A Livraria", de Nelson Bond (aquela dos livros que os autores gostariam de ter escrito, mas morreram antes de colocar as ideias em prática...), mas, qual nada - a "história verídica" de Ali Smith toma um rumo totalmente diferente. É um conto divertido, até; e existe uma explicação para que o título do conto seja tachado. E eu não vou contar :p
          
OBS: os trechos a seguir são de tradução livre feita por mim.

"Aqui vai uma história verídica. Simon, meu editor, e eu tínhamos nos encontrado para conversar sobre como organizar este livro que você tem em mãos agora. 
(...) Saindo de Covent Garden, vimos um prédio com a palavra BIBLIOTECA sobre a porta.
Não parecia uma biblioteca. Parecia uma loja de bugigangas."
(p.1)

"'-Vocês tem livros, de verdade?', perguntei.
"'-Sim, temos alguns livros como um de nossos serviços. Fique a vontade para pegar um panfleto', disse o homem com um pouco de ênfase, uma vez que já tínhamos um panfleto."
(p.2)

CONTO #13: Na pontinha da orelha (Dalton Trevisan)



          Publicado por volta de 1980, Na pontinha da orelha nos conta sobre Nelsinho, esse rapaz que vai visitar a namorada. Mas ela não chegou do trabalho, ainda. Quem faz sala para Nelsinho, enquanto a namorada não chega, é a avó da moça, senhorinha dada a tomar seus pilequinhos. Sabendo disso, o rapaz lhe oferece uma dose, duas, três, de rum. Quando a moça chega em casa, a avó já está "altinha", na sala; Nelsinho pode aproveitar para ficar bem à vontade, se é que você me entende, com a moça no quarto ao lado. É um continho "safado", erótico sem ser explícito, em que todos os personagens mostram seu lado mais profano.

" '- Não tem medo de ficar sozinha?'
Ela inclina-se na cadeira, à mostra o tornozelo inchado - um labirinto de grossas varizes roxas.
'O velho sempre só. Nem queira saber o que é viver assim. A ninguém desejo o que sofro. Eu que sei. Isso não é vida. Deus me perdoe. Deus não existe. Se existisse, me deixava sofrer tanto?"
(p.13)

"(...) ergueu-a com as duas mãos, que ficasse do seu tamanho. Ela entendeu, alçou-se na ponta do pé, um coube direitinho no outro."
(p.19)

"Separaram-se cambaleando cada um de seu lado. O coração de Nelsinho disparou a mil por minuto. Uma veia, de que nunca suspeitara, latejava na testa a ponto de rebentar.. Me acuda, mãe do céu."
(p.19)

Onde encontrar Na pontinha da orelha: Continhos galantes

CONTO #12: O Vampiro (John William Polidori)


          Publicado em 1819, O Vampiro (The Vampyre) na verdade foi escrito em 1816, durante aquele famoso soirée em que Percy Shelly, sua esposa Mary Shelley, Lord Byron e companhia resolveram escrever histórias de terror para se entreter. Uma dessas histórias a sobreviver ainda hoje no imaginário de leitores do mundo todo é o Frankenstein; outra, o conto de JW Polidori em comento. 
          A história começa em Londres, com a chegada de um estranho e sedutor rapaz da alta roda, e, mais ou menos na mesma época, um outro rapaz chamado Aubrey. Aubrey se interessa pelo estranho rapaz, faz amizade, os dois combinam viagens a Grécia, etc. Durante a viagem a Grécia, Aubrey começa a notar certas peculiaridades no comportamento do amigo, sobretudo em seu estranho costume de se aproveitar de moças. Quando ele seduz mesma jovem por quem Aubrey está interessado, os dois entram em uma discussão e se separam. O que acontece em seguida, é uma série de desventuras com direito a estranhos assassinatos envolvendo vampiros, o reatar da amizade entre os dois rapazes, um assalto que termina na morte do estranho amigo de Aubrey, e - seu reaparecimento em Londres um tempo depois
    Dizem que o conto serviu de inspiração para que Bram Stoker criasse o seu Drácula, principalmente por ter sido aqui a primeira vez em que um vampiro fora descrito como aristocrático, refinado e sedutor.
          
"(...), tinha a fama de possuir uma lábia irresistível e, fosse porque esse dom superasse a
estranheza ameaçadora de sua personalidade ou porque as pessoas se sentissem tocadas por sua
aparente rejeição aos vícios, com a mesma frequência ele convivia com mulheres que enobreciam seu
sexo por conta de suas virtudes domésticas, como com as que o maculavam por causa de sua má conduta."
(p.13)

"Todos a quem lord Ruthven amparava descobriam, inevitavelmente, que havia uma espécie de maldição agregada ao que recebiam, já que ou acabavam arrastadas para a forca ou afundavam na mais profunda miséria."
(p.17)

"Se já havia tocado a sua imaginação a suspeita de que haveria algum poder maligno inerente a Ruthven, agora a carta lhe dava razões suficientes para ter certeza.
Seus tutores insistiam que ele deveria afastar-se imediatamente do amigo e enfatizavam que o caráter dele seria perigosamente corrompido, por causa dos irresistíveis talentos de sedução de Ruthven, que tornavam seus hábitos licenciosos ainda mais daninhos às pessoas à sua volta."
(p.19)

          Considero o conto excessivamente longo e dramático (aliás, nada mais dramático do que a última linha desse conto - tenho certeza de ter ouvido um TÃ-Tã-tããããããããã... ao final da leitura. Há de se levar em consideração o leitor do início do século XIX, que mal conhecia histórias sobre vampiros; o leitor de hoje, mais exposto a milhares de versões dessa lenda, dificilmente vá achar esse conto aterrorizante.

Onde encontrar O Vampiro: Góticos - Contos clássicos - Vol. 1
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