CONTO #3: Por que não dançam? (Raymond Carver)


        Pense em um conto sem história. Isso mesmo.
     Publicado em 1978, "Por que não dançam?" (Why don`t you dance?) é um conto em que, basicamente, nada acontece. Mentira. Tem um subtexto, aí. E no fim das contas, "Por que não dançam?" é um conto sobre a pequenez da vida. Sobre a insignificância do que, aparentemente, não tem importância.
          Um narrador sucinto abre a história mostrando esse homem que, um belo dia, resolveu colocar toda a mobília de casa, no jardim. Não sabemos o motivo. Praticamente tudo está lá fora. Sabemos que aquilo foi premeditado porque ele comprou uma extensão para mostrar que os eletrônicos funcionam. O homem olha para os objetos sob uma nova perspectiva. E essa nova perspectiva é muito semelhante à antiga. Um casal jovem, passando de carro, resolve parar e ver quanto estão pedindo pela cama. E pela televisão. O homem os recebe bem. Vende seus objetos. Compartilha seu uísque com o casal. Ficam meio altos. E resolvem dançar, ali mesmo, no jardim. Vai-se o conto e ficam as perguntas: o que aconteceu com aquele homem? Onde está sua esposa (se é que ela existe - sabemos que a cama era dividida entre "o lado dele e o lado dela")? No fim das contas, nada disso importa - o conto é um recorte, um microcosmo. É literal e ao mesmo tempo diz muito nas entrelinhas.

"Na cozinha, ele serviu mais um drinque e olhou para a mobília do quarto, no jardim da frente. O colchão estava nu e os lençóis, com listras coloridas, arrumados  ao lado de dois travesseiros 
sobre a cômoda. A não ser por isso, as coisas tinham a mesma cara de quando estavam 
dentro do quarto -  a mesinha e a luminária de leitura do seu lado da cama, a mesinha e 
a luminária do lado dela da cama. O lado dele, o lado dela. Ele ficou pensando nisso, enquanto bebia devagar o seu uísque."
(p.13)

"Naquela manhã, ele tinha esvaziado os armários e, a não ser pelas três caixas na sala, 
tudo estava do lado de fora. De vez em quando um carro diminuía a velocidade e as
pessoas observavam. Mas ninguém parava. E ele pensou que também não pararia."
(p.14)

"Qualquer valor que pedirem, você oferece dez dólares a menos", disse ela. "Devem estar
no maior sufoco."
(p.15)

"Ela continuou a falar. Contava para todo mundo. Havia mais coisas, ela sabia disso, mas não
conseguia exprimir em palavras. Depois de um tempo, parou de falar."
(p.20)

Deu uma certa melancolia, a leitura desse conto.

Onde encontrar Por que não dançam?: Iniciantes

          


5 comentários:

  1. Senti melancolia até em ler sua resenha!

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  2. Escreva mais. Escreva sempre! Adorei as resenhas. Fiquei curiosa para ler o livro sobre contos de Nova York. Pena estar esgotado. Este Por que não dançam? me lembrou Clarice Lispector. Talvez por dar significado ao corriqueiro. Pra mim esse homem ficou viúvo e resolveu vender tudo pra ir embora dali. E sim, achei melancólico também. Beijo Tati

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  3. Gostei muito desse conto, é diferente de tudo que já li... :)

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  4. Posts como estes despertam a vontade de ler o conto. Excelente.

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  5. Para mim, há um quê de loucura no dono da casa. É um cara que provavelmente perdeu a esposa, e junto com ela, o sentido de sua vida. Tive essa interpretação depois de ler o trecho em que a moça pegunta o preço da secretária.

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