O Demonologista (A.K.A Trollado pelo Capeta) - por Hpcharles

“Vocês pertencem ao pai de vocês, o Diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira.” - (João 8:44)

E lá fui eu, ansioso por encontrar algo que finalmente chegue perto de O Exorcista, investindo na mesma ilusão acolhida pelo cinema e pela literatura faz décadas, me imbuindo na quimera de encontrar uma história do Canhoto tão legalzona como a da menina que vomitava sopa de ervilhas. Eu sei, a culpa é minha. E a vontade de ser feliz era tão grande que eu mesmo violei, em nome do sonho, uma regra que dificilmente quebro: “não confie no hype!"

Meus caros, se Andrew Pyper possui algum mérito em seu livro, é o de nos ensinar que a Bíblia realmente está desatualizada. O escritor então, em um momento de genialidade,  transforma o “Pai da Mentira” em um troll corriqueiro. Tipo aquele que entra em seu canal de Youtube de forma rotineira e escreve comentários e pedidos sem o menor sentido. Só para te aporrinhar e te deixar com um “WTF” na ponta da língua. Pois é…está aí, em síntese apertadíssima, o resumo do vilão de O Demonologista.

Mas como disse antes, a culpa é minha. É que foi fácil ficar atraído pela edição bacanuda da Darkside, com capa dura aveludada, lombada imitando envelhecimento, letras em alto-relevo. Coisa do demônio, se me permitem o péssimo mas oportuno trocadilho. E parou por aí. Nas trezentas e poucas páginas em que a história é contada, nada chega nem perto de merecer o esmero empregado na edição.

Basicamente o livro conta a desventura de um professor do Departamento de Inglês da prestigiosa Universidade de Columbia que, por ser especialista em mitologia e narrativa religiosa judaico-cristã, com trabalho acadêmico reconhecido por Paraíso Perdido, é “escolhido” pelo Capiroto para ser alvo de suas investidas. Interessante? Está bonito até aí? Pois é, mas o gigantesco, o colossal problema do livro, está no desenvolvimento dessa ideia.

Desde o início o autor falha em proporcionar verossimilhança à trama, abusando de apelos emocionais fúteis e acriançados. A vida pessoal do protagonista é desinteressante, cansativa e usada, em inúmeras oportunidades, como muleta para a capitalizar a narrativa. Os poucos momentos de tensão que o livro consegue criar, como por exemplo o primeiro encontro com o Coisa Ruim em Veneza, se perdem no meio de devaneios pessoais desnecessários e “chororôs” familiares. O rapto que amarra o catedrático aos acontecimentos, criando a teia dramática, logo esgota o leitor ao contrário de instigá-lo. Para se ter uma ideia dos recursos apelativos usados, nos é revelado, bem no início, que um ativo personagem tem câncer. Ocorrre que, tal moléstia, ao longo de todo o livro, não interferirá em nada nos fatos narrados e sofridos por ele. E tanto não interferirá que ele come fast food, transa (tenta), dirige por horas e horas a fio e por fim morre em LUTA CORPORAL. Enfim, uma pessoa saudável não faria melhor. Para que então a inserção de algo tão nefasto logo no começo da narrativa? Será que o autor percebeu que sua história em si não era dramática o suficiente? Por favor…

No entanto, não se pode dizer que esses detalhes incidentais sejam o nó górdio que torna o livro ruim. O que o faz péssimo é a falta de empatia que o leitor tem com os protagonistas somados à pobreza lógica, a fragilidade de sentido entre os acontecimentos descritos ao longo da narrativa. O professor em comento é uma pessoa fraca, sem carisma e com pouquíssimo elã para enfrentar uma entidade sobrenatural, supostamente onisciente e super-poderosa. E a entidade, que é onisciente e super-poderosa, também é…como direi…enfadonha a dar com o pau. Senhores, o demônio, que ao longo dos séculos sempre foi retratado como um sedutor, como dotado de inteligência e astúcia incomparável, como um perfeito estrategista, nesse livro não passa de um troll. Sua maior maldade nesse livro parece ser impor ao infeliz professor, ao longo da história inteira, entediantes e intermináveis viagens de carro sem justificativa suficiente. Lógico que o malfadado protagonista compra um Mustang para cumprir sua tarefa, o que só serve para acentuar sua crise de meia idade e torná-lo mais caricato ainda. Enquanto fica comendo comida de estrada e fugindo de um “matador do Vaticano” (quer clichê, então toma!), o desgraçado se depara com fenômenos sobrenaturais inseridos de forma claudicante, vazia, os fazendo prescindíveis por defeito de nexo. Em um livro que se propõe a narrar uma batalha do bem contra o mal, o mínimo que se espera é uma antítese bem construída, com lógica firme e coerência cristalina.

O leitor, coitado, cansa dessa road trip sem sentido, e ansiando por ser poupado desse inferno de livro (trocadilho infame n.2) mal se dá conta quando se pega torcendo pelo demônio, desejando que o Tinhoso leve, logo e de vez, o infeliz professor.

Cumpre ressaltar que apesar das inúmeras citações a Milton, tais remissões não ajudam à criação de uma lógica teológica consistente. O bolo não dá liga e as soluções encontradas pelo autor beiram o risível. Para se ter noção ao que me refiro, em determinado momento, o chatonildo do professor pega um taxi e o motorista, que é brevemente possuído (qualquer um parece poder ser possuído a qualquer tempo sem maiores explicações ou dificuldades - #assimficafacil), muda o destino da corrida para o famoso Edifício Dakota em NY. Como o taxista o deixou na esquina norte do edifício, o professor então tem a extraordinária intuição de que deve se dirigir ao estado de Dakota do Norte. Repare a “brilhante” saída inventada pelo autor para dar continuidade à trama. E só para ficar claro, com todo o respeito…é como se a porra do Diabo o tivesse enviado para o Piauí. Essas deduções e advinhações inconsistentes e pateticamente infantis, dignas dos bons tempos dos jogos do programa do Sílvio Santos, permeiam todo o livro, com o protagonista sendo estabalhoadamente empurado para cima e para baixo dentro dos Estados Unidos.

Meus caros, há muito pouco a se aproveitar nesse livro. Confesso que ao ler nos jornais e na Internet algumas notas sobre O Demonologista, fiquei atraído pela possibilidade de que uma boa história de horror houvesse sido criada. Mas não há nada. Os diálogos entre o protagonista e a entidade carecem de profundidade, de inteligência e até de coerência Bíblica, em se tratando de uma entidade ligada ao cristianismo. O autor conseguiu a peripécia de tornar o Demônio uma figura sem atrativos e criou como contraponto um “herói” sem viço, anêmico, sem virilidade, incapaz de gerar identificação ao leitor.

No entanto, se você comprou um exemplar de O Demonologista buscando apenas algum tipo de história de horror trivial, não se desepere. A encontrará. Ao terminar de ler, você certamente se recordará assustado o quanto pagou pela edição e se assombrará ao lembrar do tempo que foi jogado fora e que poderia ter sido empregado fazendo algo melhor, como por exemplo...ler um bom livro. E por fim sentirá aquele característico frio na nuca ao elocubrar se você só leu essa bobagem até o final porque gastou dinheiro, porque é masoquista, ou se foi o Demônio que te fez ler. É isso. Só pode. Foi ele. Maldito troll do inferno!




O Demonologista (The Demonologist)
Andrew Pyper
2015

20 comentários:

  1. Estou empacado no primeiro capítulo há mais de um mês. Finalmente uma resenha realista desse livro! Sinceramente vou passar outras coisas a frente desse livro.

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  2. Melhor resenha. Disse tudo o que eu senti ao ler o maldito livro. Fui uma pessoa habilmente manobrada pelos publicitários da DarkSide.

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  3. Muito bom ! Amei a crítica aliás a melhor crítica que já li na minha vida . Obrigado vou passar longe desse livro ao qual eu tanto queria ler

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  4. Eu já esperava isso, aliás meu namorado já esperava só pelo título. Mas o livro realmente atrai demais pela publicidade e boa qualidade da Darkside. Obrigada por confirmar o que eu já achava através dessa ótima resenha. :)

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  5. É complicado, né? Fazem uma super edição que cria um bocado de expectativas e aí o livro é uó. Eu não li e, acho que depois dessa resenha, não pretendo ler, mas é aquele tipo de compra que eu faria pela capa sem pensar duas vezes, sabe? Eu adoro histórias de horror e é isso mesmo, depois que você lê O Exorcista, fica difícil achar algo que chegue perto e quase sempre rola uma decepção. Gostei da opinião e adorei a conclusão da resenha hahaha!

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  6. Oi Tati!
    Você já leu o conto 1408 do Stephen King?
    Eu já li e, achei legalzinho, mas o filme supera muito o conto haha
    Seria legal um vídeo sobre ele no mês do Horror!

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  7. Sem falar que o livro é uma super tentativa de copia de o exorcista, a primeira aparição do cão duzinferno finaliza o capitulo de forma IDENTICA ao capitulo em que a Regan da um 360 com a cabeça e se transfigura no Burke :/ nos poupe Andrew Piper

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  8. Beto e Tati, vcs já leram Horror em Amityville do Jay Anson. É baseado em uma história real e é medonho. Vc não consegue parar de ler aquela coisa. Tem até dois filmes, mas o que foi lançado em 2015 não tem muito a ver com o livro. Bjs.

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  9. Como você escreve Bem, parabéns! Vou começar a ler mais, para que um dia eu possa escrever, ao menos próximo, da forma que você escreve. Crítica lúcida!

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  10. Sinceramente,... eu ri!!!! Aliás, estou rindo até agora. O livro pode não prestar (não li), mas a resenha tem ótimos momentos de humor!!! Valeu!

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  11. Ótima resenha!
    Esse comentário contem spoilers:


    O livro é tão ruim que eu cheguei à conclusão que a segunda parte do livro (que deve possuir umas 170 paginas ou mais) poderia ser pulada ou arrancada da historia sem ferir em nada a trama. Na segunda parte do livro o protagonista fica indo de um lado para outro entre dois países, para descobrir que seu destino final era na verdade seu ponto de partida (NY). O mais decepcionante é que o demônio (Belial) poderia ter pego o documento à qualquer momento e em qualquer lugar, pois no universo dessa ficção o capiroto era extremamente "cheio dos poder" e no final é incapaz de demonstrar toda essa fodacidade que apresentou durante o enrolar da historia. Provavelmente gastou todo seu "poder" possuindo inutilmente pessoas e fazendo aparições desnecessárias.

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  12. Pior é começar 2016 com um livro desse.
    Uma decepção, não consegui nem terminar.

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  13. Bom, me parece uma tentativa mal costurada de Dan Brown e outros clichês que sabidamente vendem. Não sei se a intenção era escrever uma boa história de terror. Provavelmente a intenção era criar uma modinha entre jovens leitores menos exigentes e inexperientes e de quebra com uma capa fodástica. Costuma colar.

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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  15. HP, eu sou um grande fã seu, adoro os seus textos!!!!
    Eu gostaria de conversar com você sobre alguns projetos que tenho para o youtube.
    Dê uma olhada no meu canal:
    https://www.youtube.com/playlist?list=PLnThhb0q-wrizIyhRlRdfLIPn2xeKJMKI
    Esse link é uma playlist de diatribes minhas, alguns textos são versões de textos do Scathing Atheist e os outros são meus mesmos.
    Se você tiver interesse, por favor me mande um email em ciclista.cetico@gmail.com, seria uma honra fazer algo em parceria com você!

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  16. O Demonologista ainda tem uma boa função para mim: vou poder pagar meia entrada na CCXP esse ano quando doar ele...

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  17. E o que falar das inúmeras resenhas positivas da obra? Não acredito em mais nenhuma palavra dos blogs que disseram que esse livro era fodástico. Fiquei p* da vida com isso. O livro é tão ruim, mas tão ruim que supera o coisa ruim...

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  18. Cara, eu já tava me achando louco por ter achado essa obra (do demônio hehe) uma verdadeira porcaria. Vi tanta gente falando bem e dando notas altas que eu me joguei no hype igual a você. Fiquei muito decepcionado. Acho que nunca me arrastei tão sem vontade numa leitura quanto na metade pro final desse livro. Ali mesmo eu já tinha percebido que não tinha jeito de ficar bom. Eu só finalizei porque paguei dinheiro nele.

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  19. Gostaria de ter lido essa resenha antes de ter comprado o meu exemplar. Tava começando a pensar que era o único que odiou esse livro. Mas o mais irritante é as pessoas dizendo que eu não gostei porque não entendi....hahahaha!Como se todo mundo que entendeu também gostou e não existisse a possibilidade de entender e não gostar.

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    1. Eu comprei junto o livro "A Estrada da Noite" de Joe Hill que também é Road Trip. Esse eu gostei porém não sei dizer se ele é bom. Como eu li ele depois do Demonologista fica difícil avaliar...hehehehe!!!!

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