E então Einstein disse... (por Hpcharles)


Meus caros, se tem uma coisa ultrajante, que irrita até as pontas dos cabelos, é a desonestidade intelectual. Some-se a isso a burrice desmedida ou a ignorância irrefreável e temos o inferno. No entanto, ao que tudo indica, a preguiça de pensar e o pouco apreço pelo melhor contraditório, são tão frequentes quanto os vitupérios que normalmente acompanham tais comportamentos.
Não sei se a cultura do Google, que deveria facilitar a bagaça, por via oblíqua, contribuiu para piorar a malsinada fuzarca. O fato é que mesmo com respostas e conhecimento ao alcance de poucos cliques, as pessoas parecem ter ficado mais preguiçosas. E, a meu ver, a preguiça intelectual é a pior. Melhor um gordinho sagaz do que uma azêmola malhada.
Dito isso, é de bom alvitre ressaltar que o uso da palavra "FALÁCIA" é tão frequente quanto a sua utilização como artimanha em discussões ou debates, sejam elas em redes sociais ou nos meios acadêmicos. E a verdade é que isso faz pouca diferença. O raciocínio capenga é sempre nocivo, contraproducente.
Em que pese ouvirmos o termo com extrema assiduidade, me parece razoável afirmar que poucos se importam em verificar seu significado. Basta ficar apertado que a solução é gritar: “isso é uma falácia!”
Mas será que é?
Falácia é um argumento que carece de consistência lógica. Nem sempre é fácil reconhecê-la, mas tenha em mente que a conclusão de um argumento deve decorrer de suas premissas. Se assim não o for, tal argumento não deve orientar uma conclusão por invalidade, inconsistência, infundamentação ou simplesmente por não contribuir com o deslinde da questão. As falácias involuntárias, quase sempre oriundas de ignorância, são chamadas de “paralogismos”. As que visam enganar, persuadir, normalmente prolatadas por idiotas da pior espécie, vez que optam por “jogar sujo” ao dar o braço a torcer, declinando da oportunidade de aprender ou aprimorar o diálogo, são conhecidas como “sofismas”.
Muito ainda poderia ser dito sobre falácias, o que impenderia um texto bem mais extenso, minucioso e apropriado para o assunto. Não é o caso e nem o farei. Escrevi os parágrafos acima como ensejo para atacar 3 falácias específicas que encontramos com estupenda constância em nosso dia a dia, principalmente nas redes sociais. Resta dizer que muitas outras existem, mas abordarei as que mais me deixam puto. Disso não há dúvida. Nesse processo, tentarei ser o mais simples, primário e direto possível, visto que o blog abriga informalidade, não possuindo quaisquer viés acadêmico. Não é seu fito ou direção.
A primeira é a chamada “falácia do espantalho” ou do “homem de palha”. Essa é foda, meus amiguinhos. Quem sabe do que estou falando reconhece que, ao se deparar com uma no meio de uma discussão, a vontade é de dar um soco nas fuças, encerrando o certame precocemente. É ou não é? Mas não o façam porque ela não é tão difícil de se desconstituir. Calma.
A falácia do espantalho ocorre quando a refutação ou contraditório não atinge o argumento original, mas sim outro criado justamente para ser atacado em seu lugar, dando a impressão de coerência ou vitória. Ela distorce o real argumento para apresentar uma versão deficiente da ideia. É quando se investe contra o que “não foi dito”, ao invés do que foi dito. Vamos lá, quem é casado ou namora faz tempo entendeu exatamente a maldita.
Brincadeiras fora, o “homem de palha” é extremamente desagradável porque “altera ou coloca palavras que não foram ditas”, em boca alheia. E gente, isso é desagradável bagario. Meu conselho para quando isso se tornar frequente é abdicar do debate. Não há propósito nenhum em se insistir. Acreditem.
A segunda falácia que quero abordar é a chamada “red herring” ou Falácia da Diversão ou ainda, Ignoratio Elenchi. Igualmente fastidiosa, é uma falácia ainda mais fácil de ser percebida e destruída.
No caso da “red herring”, um ponto superveniente e desconexo ao debate original é trazido à baila a fim de desviar a atenção da discussão primária, para então, gerar conclusão distinta. Novamente...quem está em relação longa faz tempo, conhece bem. Sabe quando você está discutindo se o melhor seria comprar um produto ou outro e, depois de elencados os atributos de ambos - o que determinaria a melhor direção a se seguir - a lógica parece favorecer a SUA escolha? E sabe quando seguido a isso brota de forma repentina e violenta um “argumento” totalmente alienígena ao assunto? "- Você prefere esse só porque o fulaninho do seu trabalho tem um”. Duas palavras: Red Herring
Notem que a discussão foi retirada do produto e direcionada ao fato de que o desgraçado do fulaninho do trabalho tem um. É cristalino que o fato do fulaninho infeliz ter o mesmo produto não contribui para a valoração em comento. Não agrega qualidade ou defeito ao produto e, portanto não pode servir de argumento para a conclusão. É mero desvio do assunto. Coisa de quem está perdendo. Bom, a menos que seja esse mesmo exato produto que tenha determinado que a Angelina Jolie se apaixonasse pelo Brad Pitt. Aí é um puta argumento e um puta produto. Maldita geladeira!
Se faz mister lembrar que a Red Herring se distingue da falácia do Homem de Palha porque na última o argumento é deformado e, só então, atacado.
Por fim vamos abordar a famosa Falácia do Apelo à Autoridade, ou Magister Dixit. Igualmente nojenta e imbecil, tal falácia consiste em utilizar o apenas o nome, palavra ou credencial de alguma “autoridade” para validar o argumento. Em síntese apertada, é o caso do “é verdade, porque fulaninho que é pica das galáxias disse”, “é o correto porque sicrano tem doutorado no assunto”, “beltrano é professor em Oxford, logo ele está certo”. Ocorre muito também na primeira pessoa. "Eu estou correto, me graduei em Sorbonne, sou amigo do Neymar e esse ano vou ficar no camarote da Brahma". É a famosa "carteirada". Mesmíssima merda. Para ficar cristalino: é o argumento que deve sustentar a credencial e não o contrário.
Sendo assim, não é preciso ser brilhante para perceber que o que importa para uma boa conclusão é o argumento de quem possui o título, à revelia do título em si. Pelo motivo simples de que a "autoridade" pode possuir credenciais excepcionais e, ainda assim, estar flagrantemente equivocada. Acontece todos os dias. Super normal. Afinal, desde quando diploma garante razão?
Por favor, compreendam que, isso absolutamente não quer dizer que argumentos calcados na autoridade de especialistas em determinado assunto sejam necessariamente falácias. A falácia "in casu" consiste em utilizar a credibilidade de determinada pessoa como fator suficiente para se chegar a uma conclusão. Fácil de entender, não? Pelo que se tem visto na Internet...não.
E aí? O que "abunda"? Preguiça? A ignorância ou a desonestidade intelectual? Tudo junto? Desonestidade fundamentada em orgulho vagabundo, com uma pitada talvez, de invejinha juvenil de quem faz e consegue e outra de “pelasaquismo" inelutável? É provável que um pouco de cada coisa.
A verdade é que no exato instante em que abandonamos o ponto nodal do argumento, mirando desvios, apelando a embromações e enganos, perdemos o sentido da própria discussão em si. Melhor ir comer um brigadeiro, tomar uma breja e entregar a produção intelectual para quem de fato a almeja.
Então que tal, quando decidirmos por engatar qualquer tipo de conversa minimamente relevante, tentarmos nos ater ao que importa (premissas, argumentos, conclusão), deixando de lado a comezinha covardia e mesquinharia sentimental que acomete a abissal maioria dos seres humanos para assuntos mais propícios a ela. Saiu um BBB novo, assina aquela porra e pronto. Ninguém precisa saber.

Existem momentos em que é melhor silenciar a pena, embatucar a voz. É condão dos sábios escolher como e quando se manifestar. “É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota, do que falar e acabar com a dúvida”. E sabe como eu sei que isso está certo? Foi Einstein quem disse. Tá, eu sei que foi Lincoln, mas seu eu disser que foi Einstein, fica mais legal ainda. Ninguém contesta. Ou contesta?

11 comentários:

  1. Olá, obrigado por nos brindar com mais um texto sagaz e pertinente, que traz uma análise sui generis da "intelectualidade" nos dias atuais.

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  2. Estava esperando este texto, sabia que sairia mais cedo ou mais tarde. Sua análise é incrível.

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  3. Me identifiquei com sua raiva. Infelizmente, não por causa da internet, mas das pessoas ao meu redor mesmo. Por muito tempo encontrando essas pessoas no colégio, no trabalho, na faculdade... E o pior é que elas ainda acham que sabem discutir! Então me tachavam de pessoa que não briga, que não debate ¬¬ Debater com esses tipos que jeito?! Enfim, consegui um emprego melhor e a maior felicidade é não ter que "argumentar" com esse tipo de novo. Parabéns pelo texto.

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  4. Acho que esse foi o texto com o qual mais me identifiquei. Durante as últimas eleições eram constantes os argumentos do tipo "homem de palha", depois de um ponto optei por simplesmente não discutir mais ou não expor minhas opiniões.

    Parabéns pelo texto! Muito bem escrito e vale a pena ser lido.

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  5. HP, eu parei por um tempo de comentar em post, videos, pra evitar esse tipo de pessoa. Deixei de comentar em posts sobre política/religião, onde sempre aparecem homens de palha até na puta que pariu. É muito bacana discutir sobre um livro com outras pessoas, por exemplo, mas sempre vem o carinha vomitar a opinião dele e acabar com a diversão. "Não sei o que leigos querem falando sobre livros na internet", sim, eu já vi isso escrito por ai. O fato é o seguinte: eles querem falar, pensam que sabem falar, mas não sabem porra nenhum. Estão ali pra tentar incomodar.


    Obrigado por esse texto excelente. Abraço!

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  6. Acho que este link complementa e ilustra o que você disse aqui no post.
    https://bookofbadarguments.com/pt-br/

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  7. Oq vc acha sobre a coleção percy jackson??

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    1. Não li e não pretendo. Mas acho que a Tati fez um vídeo sobre a coleção. ;)

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  8. Hp seus TEXTOS me tiraram de um MUNDO obscuro
    onde a ignorância FAZIA seu reinado A UNS 2 ANOS atrás
    OBRIGADO pelo seu brilhantes Textos

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