“A children's story that can only be enjoyed by children is not a good children's story in the slightest.”
― C.S. Lewis
― C.S. Lewis
"Classic" - a book which people praise and don't read.”
― Mark Twain
― Mark Twain
Uma
de minhas mais vívidas lembranças da adolescência é a de meu pai me levando à
livraria Leonardo da Vinci, no Rio de Janeiro. Para mim era o que havia. Cinema
no Centro, comer um filé à parmegiana em um restaurante do qual não me lembro o
nome e, por fim, nos encaminharmos ao subsolo do Edifício Marquês do Herval, na
Av. Rio Branco.
Meu coroa, até hoje um leitor obstinado, quase patológico, se é que assim posso dizer, sempre me parava em frente à vitrine antes de entrarmos para me comunicar o recado de sempre: “Beto, você pode escolher o livro que quiser, mas ficará responsável por lê-lo. Sem desculpas”. E assim o fazia.
Meu coroa, até hoje um leitor obstinado, quase patológico, se é que assim posso dizer, sempre me parava em frente à vitrine antes de entrarmos para me comunicar o recado de sempre: “Beto, você pode escolher o livro que quiser, mas ficará responsável por lê-lo. Sem desculpas”. E assim o fazia.
Entendi,
algum tempo depois, que com isso meu pai pretendia me ensinar duas coisas. A
primeira e cristalina, é que para um livro ser analisado com algum apuro, precisa, "ao menos", ter alguns de seus capítulos lidos apropriadamente para lhe averiguar estética e forma. Óbvio? Para alguns, sim. Para outros, ao que
tudo indica, basta se ler a orelha.
A
segunda, e a qual quero abordar nesse texto, é a mensagem mais “camuflada” na
diretriz em comento e que, basicamente, aduz: “se nem eu que sou seu pai lhe
digo o que você deve ler, não permita que outros o digam”.
Banhado
em tal liberdade, aos 16 já havia lido Bukwoski e, bem antes, bastante coisa de
Doyle, incluindo aí, não só a coleção de SH, mas também alguns livros de suas
Histórias Fantásticas e de Ficção Histórica. Já havia lido também Steinbeck e
Faulkner. Simplesmente porque queria. E podia.
Não
faz tanto tempo, comecei a ouvir o termo Y.A. com frequência nauseante.
Cunhou-se, pelo que se nota, uma subdivisão que compreende pessoas entre 14-21
anos, podendo se estender até os 29. Pasmem! Jovens-adultos, essa é a categoria
criada para se qualificar uma literatura com determinadas características que atendam
ao universo dessa faixa etária. O curioso é que para mim só existiam dois tipos de livros: os bons e os ruins.
É de
clareza meridiana que os livros infantis precisam ser distinguidos dos adultos,
mas a justificativa é absolutamente pertinente. Crianças, em sua abissal
maioria, ainda podem se perder em ironias, sarcasmos, coloquialismos, metáforas. As
figuras de estilo lhes são difíceis ou inacessíveis, exceções consignadas. Toda a estrutura de
linguagem é apropriada e dirigida para o aprendizado primário e básico, em
virtude da capacidade cognitiva ainda não ter se desenvolvido
suficientemente para uma literatura mais exigente ou pouco fluída. Por
outro lado, me causa estranheza a ideia de se “enlatar” o adolescente, vez que este já superou as questões supracitadas.
Mentira. Não causa, não. Eu entendo
perfeitamente a jogada. Em que pese o fato de que as pessoas possuem um
desenvolvimento cognitivo ou intelectual diferenciado, o negócio aí é dinheiro. Vamos ser honestos. Vamos abrir o jogo de uma vez. Sacam o tal do “público alvo”? Pois é. Fica
mais fácil trabalhar. Ajudam também as prateleiras e capas estratégicas, em cores únicas, brilhantes,
“fofinhas”.
Os
temas repetitivos, as estórias contadas em tom melífluo, com escrita
condescendente, muitas vezes pedestre, abundam. São enfadonhas, previsíveis, pobremente escritas e sobretudo, desnecessárias. A menos que se leve em consideração a grana. Aí se tornam "indispensáveis e originais". É o que dizem. Quem
inventou essa “catiguria” ou cuidou de expândi-la, sabe que os adolescentes formam um
público que gera muito lucro. Muito mesmo. Sabem também o quão influenciáveis
são. Adolescente, via de regra, quer pertencer a um grupo, ser aceito,
participar. Ele sabe o que o outro está lendo, já viu no Facebook, no Twitter,
no Instagram, no celular do amiguinho, aquele mesmo que tem uma capinha dos Vingadores ou
com orelinhas da Minnie.
Ele compra
o livro que disseram que foi feito para ele, sabendo que farão um filme
especial, também feito para ele, baseado naquela mesma “obra-prima” de hype inegável.
Com aquele livro, ele sentiu que era especial. O autor o conhece, só pode,
tamanha semelhança com seu mundo. Só que, é claro, no livro tudo é “cool”. Os
diálogos, os romances e até os piores dramas. O quão isso é parecido com a
realidade, não é mesmo? Identificação pura.
No
universo Y.A. o negócio é ser legalzão. Tudo é tão conectado, tão gostoso e
ramansoso, é como dormir de conchinha. Vampiros são legais, sádicos, cancerosos
e crianças que matam crianças, são mais legais ainda. Distopias sem originalidade
vendem milhões, unindo o mundo para torná-lo melhor. E tudo de presente para o
adolescente, aquele pequeno motherfucker.
Mas
quem disse que é isso mesmo que o adolescente quer, ou precisa, ou deve ler?
Não foi ele. Ou foi? Ou será que escolheram por ele e fizeram parecer que fora
ele próprio que o fez? Quão conveniente. Esse é o truque. Vil e filho da puta.
Pois
eu duvido muito que, se perguntados diretamente, esse mesmo público alvo não
diga que prefere escolher DE VERDADE o que deseja ler. Mas para isso, é preciso
que saibam que podem ler coisas diferentes do que a mídia lhes empurra,
grotescamente, goela abaixo. É preciso que acreditem que são capazes de ler uma
literatura melhor, livros mais bem escritos. Que aceitem que não precisam
consumir o que é fácil ou agradável. É necessário que saibam que existem
prateleiras no fundo das livrarias.
Me
incomoda um pouco que os enganem, ainda mais se disfarçando de “miguxos”, quando
na verdade os subestimam por muitos trocados. A literatura deve entreter, mas
também desafiar. E uma coisa não exclui a outra necessariamente. Quanto à mídia
e a indústria do entretenimento, eu já desisti faz tempo. A qualidade pouco
importa e todos sabem. Se vender, está ótimo. Mas gostaria que alguns autores
parassem de ver os adolescentes como bichinhos de estimação e se eximissem de escrever, vislumbrando nestes jovens, o condão da responsabilidade pelo pagamento da hipoteca de suas casas de praia. Se concentrassem em construir bons livros e pronto. Sem concessões,
sem desdenhar de suas capacidades intelectuais. O que tenho visto é apadrinhamento e não
literatura de excelência.
Espero,
sinceramente, que esse panorama mude daqui a algum tempo. Que esse frisson,
esse direcionamento perca força, ao menos. E torço para que esses mesmos adolescentes
de hoje, que acreditam que o que consomem (e que lhes fora vendido meticulosamente
por um mercado sem nenhum escrúpulo) é o que há de bom para se ler, não se
decepcionem tanto quando verificarem que absolutamente não é. Com sorte
descobrirão que a culpa não é deles e nem tampouco das estrelas. É apenas uma questão de grana e de ganância. Nada mais.
Uma palavra: Parabéns.
ResponderExcluirComo os pais conseguem nos ensinar tanta coisa com "apenas" algumas ações? É mágico...
Finalmente, alguém disse a verdade sobre esses livros "modinha"! Se mais alguém perguntar se eu li ou me recomendar um desses YAs insuportáveis, encaminharei esse post como resposta. Obrigada, Hpcharles!
ResponderExcluirAinda bem que não sou apenas eu que compartilho da ideia de que qualquer um pode escrever um livro, desde que esse venda, leia-se, vire modinha ou filme...rsrsrrs...Ou seja, qualidade é o que menos importa!
ResponderExcluirAdorei a reflexão! ;)
Seus escritos são capazes de educar/disciplinar alguém.
ResponderExcluirPor trás dessa modinha está a busca desenfreada pelo lucro!!!!! parabéns pelo texto.
ResponderExcluirJá eu acredito que esses livros voltados pro público adolescente tem feito muitos adolescentes que jamais tiveram um pai pra levar na livraria, em que não há nenhum incentivo em casa para literatura e que, muitas vezes, sofreram uma falha gigantesca no ensino do português e da literatura na escola, olharem para o livro como algo que também é pra ele. Sim, usando marketing, redes sociais, status e todas as artimanhas do capitalismo, mas pegando um público que, se não fosse dessa forma, talvez jamais daria a chance aos livros de qualquer tipo. Os YAs podem servir, e de fato tem servido na vida de muitos adolescentes, como porta de entrada no 'mundo dos livros' e da leitura.
ResponderExcluirLay, em meu último e, ao que tudo indica, controverso texto, as pessoas buscaram guarida nesse mesmo argumento que agora vc adota. O grande problema é que ele é uma falácia lógica primária. Posso afirmar, da mesma forma, que o contato ou indicação com um livro medíocre, alijou um leitor de seu prazer por tentar uma nova experiência literária, tamanha decepção. De fato, tenho prints que comprovam isso. Entendeu como seu argumento, repleto de condescendência, pode funcionar para os dois lados? Não vou repetir todos os argumentos que esposei à exaustão em comentários no meu texto anterior. Se tiver curiosidade de ler, ótimo. A grande verdade é que vc não é obrigado a começar pelo YA. Não é obrigada a ler o que eles te dizem para ler? Mas pq vcs o fazem, então? Pegue as estatísticas, não acredite em mim. Vc não é obrigada a começar por baixo, a abraçar a subliteratura, a mediocridade como ponto de partida. Isso é o que disseram a vcs. Provavelmente alguém trabalhando em uma puta cobertura, comendo diariamente nos melhores restaurantes possíveis e que está cagando para a qualidade do que publica. O que importa é que a fórmula funciona e venda. É isso que vc quer? É vc mesmo que quer? Então me diga...pq alguém optaria por ler o pior, se pode ler o melhor? E se desejar, posso discutir critérios OBJETIVOS com vc. Sabe pq isso acontece? Pq a mídia não te oferece uma escolha real, mas a ilusão de uma escolha real. Confie em vc, eu confio. Eles é que não. Mas ei...o país é livre e carisma conta, não vamos nos enganar. Taí o nosso querido John Grenn, que escreveu o que todos queriam ouvir. Como escritor é um excepcional vlogger. Nada mais do que isso. Mas a capinha vende. O livro, com a cor da capinha, também vende. Por pior, previsível, inverossímel, trivial, que aquela porcaria possa ser. Não há parâmetro, entende. Ou melhor...há. Só não é o seu. Vc apenas acha que é. Daqui a alguns anos, vc volta. Vamos ver se irá manter esse discurso. Abçs.
ExcluirO que me tornou mesmo uma leitora, uma apaixonada pela Literatura, foi um livro obrigatório no colégio: Dom Casmurro. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos, era obrigatório, tinha a linguagem de uma outra época, mas eu amei e me tornei uma apaixonada pela obra de Machado de Assis. Portanto, parece-me triste que os jovens precisem de livros medíocres para se tornarem leitores. O que eles precisam é de melhor ensino, melhor compreensão de texto e, então, terão senso crítico e serão bons leitores. As listas de best sellers teriam mais qualidade! rs
ResponderExcluirRose, agora me diga, como, atualmente, esses jovens irão ler Machado de Assis. Existem UNIVERSITÁRIOS que não conseguem. E não conseguem pq não possuem vocabulário para compreendê-lo. Vc deve saber, mas já existem edições "traduzindo" Machado para o PORTUGUÊS. Sim, é isso mesmo. Pode procurar e conferir se duvidar. Bom, se te interessar, leia meu último texto e os comentários que o seguiram, com as minhas respostas. As pessoas não entendem o óbvio, simplesmente pq lhes falta base e o pior, bom senso. Sim, foi um eufemismo. Tudo se torna pessoal, não há o interesse fidedigno no contraditório, pq o marketing desse LIXO que é vendido como whisky de 18 anos já comeu o cérebro dessas crianças. Leia lá no outro texto...gente criticando Machado sem saber pq o critica(provavelmente nem o leu), mas quando é pedido explicação do pq, a resposta é sempre do mesmo nível do amigo do Forrest Gump, o Bubba: pastel de camarão, camarão na moranga, camarão frito, camarão empanado, arroz de camarão. Sabem tudo de camarão. Mas nada de Machado. Mas ainda assim...ele é uma porcaria. Beleza, quem sou eu para criticar os coprófagos. Estou meio de saco cheio, sabe. Leitores de orelha...após o Ebola...é a epidemia que restou. Que se danem, leiam essas merdas de capas coloridas mesmo. E aproveitem e comprem um cintinho pra combinar. Abçs.
ExcluirConcordo em partes. É óbvio que a criação "YA" é algo puramente midiático, mas nem todos os livros são terrivelmente ruins. Para mim, o problema maior é quando uma pessoa só lê YA. Mas pôr um livrinho aqui e acolá nas suas leituras, acho bastante saudável, visto que não é preciso ler somente alta literatura. Abrir a mente para novos estilos é bom!
ResponderExcluirBeijos
Texto muito bom, eu o li e veio em mente um bando de porcaria que agora estão na moda entre os adolescentes e jovens, livros com distopias, romance vampirescos, etc. Tua narrativa é excelente!
ResponderExcluirobservação: lendo esse post me recordei do tema da redação da Uerj desse ano, era algo similar e sintético a sua opinião. :)
Bom, concordo com cada palavra do texto. Na minha opinião, esse tipo de estilo tem um ponto positivo e um negativo. O positivo é que, desperta no jovem leitor a vontade de ler, imaginar, sonhar e isso que acaba o trazendo para o mundo da leitura. O negativo é que, do que adianta se prender apenas a este estilo? O ser humano em sí sente a necessidade de progredir,avançar cada vez mais. E aí vem aquela desculpa "O importante é ler, isso ajuda na escrita e blablabla". Isso vai ajudar na escrita a partir do momento que você começa a ler, mas se prender a este tipo de estilo, consequentemente fará o indivíduo ter uma escrita e uma visão bem limitada. O progresso não consiste em um espaço preso, é um conjunto de caminhos que lhe aparecerão de acordo com sua evolução, mas quem se prende a este estilo está quase preso pelo mesmo. A mídia já faz um ótimo trabalho enfiando qualquer coisa na mente dos jovens, mas depois de um tempo, vai da escolha deles querer se manter enjaulado ou descobrir horizontes além.
ResponderExcluirAdorei mesmo o texto =D