"O nacionalismo é uma doença infantil; é o sarampo da humanidade".
(Albert Einstein)
Ontem,
após a histórica goleada imposta à seleção brasileira de futebol, assisti a
um curto e interessante depoimento de uma das maiores estrelas do time
alemão, o jogador Schweinsteiger. Com feições de quem soprou as velinhas do
bolo antes do aniversariante, o alemão disse, constrangido, que
lamentava a maneira como as coisas aconteceram, dando a entender, em síntese
apertada, que o castigo foi demais.
Para
quem assiste futebol há algum tempo não foi difícil perceber que o escrete alemão, ainda no primeiro tempo, “tirou o pé do
acelerador”. Entenderam que não seria necessário torcer a faca, que o caixão já estava fechado. Sabiam que o placar, naquele momento, já seria por demais
doloroso para os torcedores brasileiros. Se quisessem, acho justo supor tal a facilidade encontrada, poderiam chegar
aos 10 gols. Foi um ato de respeito. Simples assim.
Foi
um ato de respeito de uma seleção que sempre se mostrou, durante toda a
estadia - que ainda não terminou - como genuinamente afeta ao Brasil. Foram solícitos ao povo ansioso
por autógrafos e amáveis com os jornalistas. Mostraram, acima de tudo, como se portar fora de seu país, já que durante esse pequeno período de competição, não passam de ilustres visitantes. Pelo menos nunca se posicionaram como mais do que isso. O
problema é que quem recebe também precisa demonstrar respeito com quem é
recebido.
E será
que oferecemos a cordialidade que se impõe àqueles incumbidos de desempenhar o papel de anfitriões? Que digam os chilenos que, durante a execução
de seu hino, tiveram que cantá-lo junto com uma tremenda vaia, em uma atitude
lamentável de boa parte da torcida brasileira presente no estádio. Por obséquio, não me venham alegar a invasão do centro de imprensa do Maracanã e suscitar revanchismo. Fica pior. Não quero me nivelar por baixo, mas por cima. O Chile que se entenda com os seus.
Ou então, o que falar dos
xingamentos, das palavras chulas dirigidas a Presidente do próprio país? Em que
pese a contrariedade política ou ideológica, é absolutamente reprovável a
atitude agressiva e destemperada que foi, inclusive, transmitida para o resto do
mundo. Como se ofender resolvesse a situação ao arrepio do voto consignado. É nas urnas
que se demonstra insatisfação com efeito prático. Mandar “tomar no cu” apenas expôs como anda requintado o exercício de nossa cidadania. Imagino o que pensou a
imprensa estrangeira ao escutar os polidos “elogios” dirigidos às tribunas. Devem ter pensado também no quão
irônico é vaiar quem avalizou a realização do torneio e, ao mesmo tempo,
comparecer ao estádio e tomar uma "Bud by Fifa". Sim, naquela mesma "Arena" cuja construção era desnecessária e
impertinente. É cristalino que esse comportamento não traduz a totalidade do povo brasileiro, mas é indicativo de que há algo errado também conosco e não apenas com o governo.
Desde
o início torci para a Alemanha e não fiz o menor esforço em esconder isso.
Minha família possui inúmeras ligações afetivas com o país germânico e minha
irmã e sua família lá residem faz algum tempo. Aprendi a admirar o país, sua
capacidade de reconstrução. Sua organização, competência e seriedade administrativa. O apego
ao cuidado com os mais velhos, traduzido em um esplêndido sistema de saúde e
aposentadoria. A incrível valorização da educação acadêmica que garantiu 103
prêmios “Nobel” em sua história. E tudo isso sem deixar a simpatia e a cerveja
de lado. Ademais, não me recordo de, em nenhum momento de minha vida, ter
assinado quaisquer contrato de brasilidade. Tampouco optei por nascer no
Brasil. Até onde sei, é permitido torcer para quem se quiser. Ou não é?
Pois
é de se ficar em dúvida tal a insânia nas redes sociais. A maioria, evidente,
praticada por torcedores “bissextos”, cujo nacionalismo só dá as caras justamente quando é
menos necessário, ou seja, nas eventuais competições esportivas. Eivados de patriotismo obtuso e desvairado, batem pezinho, acreditando que torcer para a
seleção ou vestir a camisa da Nike os faz mais brasileiros. O pior é que,
hipnotizados pela televisão, babando como bovinos a pastar, não percebem que
estão sendo usados. Eles e os jogadores. Mas os jogadores ganham para isso.
Muitíssimo bem. E sabem de antemão que, eliminados ou não, suas lágrimas, de
alegria ou tristeza, serão rapidamente secadas pelo sol de um “resort” qualquer, em uma ilhota qualquer, com uma vista paradisíaca qualquer. Dirão que a vida
segue. E segue mesmo. Só que para uns segue no ar condicionado. Digital. “Bi
Zone”. Entenderam, amiguinhos? Para que brigar?
A
seleção brasileira NÃO é o Brasil e a Copa não é uma guerra entre nações. É
apenas um torneio de futebol. Importante em nossa cultura, admito. Mas não é
sequer, fundamental. Fazem parecer que é, mas não é. Assim como não era o leque
de estádios construídos com dinheiro público, em locais onde não existe demanda
para suas construções. A seleção é, na verdade, um amontoado de jogadores que
vive uma realidade totalmente distinta de quem está nas arquibancadas e que,
esporadicamente, se reúne para uma competição ou outra. Acabado o certame,
voltam ao "duro" cotidiano de seus clubes. A abissal maioria deles, em continente europeu. Não alego
demérito, apenas aponto um fato.
Claro
que o ambiente é minuciosamente trabalhado para o truque funcionar. A mídia, a
propaganda, conspiram e batem forte. Tudo é verde a amarelo. Os apresentadores, narradores e
comentaristas, desempenham bravamente seu papel, se tornando filósofos e
profetas. Aliás, como deve ser bom ser comentarista esportivo para só dizer
"coisas inteligentes" na TV, não é mesmo?
A
cobertura é implacável, os chavões inéditos, a vitória essencial à vida. É o
que vendem. Em prestações. Mas vou contar um segredo. Não é. Nem de longe.
Durante toda minha vida ouvi essa cantilena. Essa mentira. Desde sempre, aqui
no Brasil, se transferiu ao jogador da seleção o condão de redentor. De
redentor de tudo aquilo que nunca fomos. De todos os nossos desejos e aspirações não
realizadas.
Os
jogadores brasileiros, ainda mais durante uma Copa, são alçados à cruz como 11
nazarenos tupiniquins. Os cravos estão nas chuteiras e não nos pulsos, mas não
se engane, a missão supostamente foi dada por deus e há de ser cumprida por
heróis. Para isso basta que defendam pênaltis ou que balancem as redes. É deles
a obrigação de nos catapultar metafisicamente ao “paudurescente primeiromundismo”.
Aquele mesmo que nunca conseguimos atingir em outras instâncias que não sejam a
dos gramados. Tanto é que nossos hospitais ainda carecem de equipamentos, as escolas
de material básico e, usar o transporte público, se constitui em verdadeira Via
Crucis. Mas não se pode mais criticar a nossa grama. Não a grama! Agora nossos estádios usam
a “Celebration”. Uma relva híbrida, importada da Austrália. Foda “bagaraio”. Um
tapete. Tá pensando o que, porra?! Mas gente...sério, é tudo circo. Tudo
ilusão.
A
Copa só pode ser vista como uma competição esportiva onde poucos ganham muito
dinheiro e prestígio e muitos pagam por isso. Entendida a questão não há problema nenhum em se divertir. E não é que o torneio não deva acontecer. Mas fazê-lo aqui foi inoportuno e absolutamente prescindível. Por uma questão de prioridades, entendem? É de bom alvitre ressaltar que, para efeito de contraditório, não é relevante se alegar o
quanto foi gasto, vez que qualquer quantia mal gasta ainda é uma quantia mal
gasta. Quaisquer real que não fosse oriundo de iniciativa privada já deveria ser suficiente para obstá-la. Disse isso antes e repito agora que a anestesia passou e o dente vai
voltar a doer.
O
que deve ficar de tudo o que aconteceu após o vareio de bola, é a lucidez
dolorosa de que nem mais os melhores no esporte bretão nós somos. Mas há um
lado bom? Sim, há! Aquele que te desperta com um soco nas fuças para te dizer:"e daí?". Será que o futebol ou uma derrota esportiva deveria ser tão importante em um país que tem tanto a fazer no campo das necessidades sociais mais basilares?
O
futebol brasileiro irá se recuperar da acachapante goleada que lhe fora
imposta. Não se esquecerá jamais e isso é positivo de certa maneira, mas dará a volta por cima porque
sua capacidade de fabricar grandes jogadores é estupenda. Tão notória e
evidente que fez até os carrascos do time adversário lamentarem, incrédulos, o feito que haviam realizado. O futebol do Brasil, meus
caros, está longe de ser um problema real para sua população. O que falta é
entender que ele está mais longe ainda de ser a solução. Para qualquer coisa que seja. Futebol, para quem não vive dele, deve representar cerveja quente e cachorro-quente frio aos domingos. Deve abastecer o assunto na conversa com os amigos e a zoação no dia seguinte. Tristeza? Dou meia a hora a ela quando meu time perde. Depois lembro do mundo real e das contas que entrarão por baixo da porta.
E o
orgulho? Orgulho?! Aquele sentimento controverso, por vezes mesquinho, e que
nunca vi resolver a vida de ninguém? É esse? Bom se for para se ter orgulho,
deveríamos nos focar não só no "time" alemão, não é mesmo? Que tal mirar no IDH
dos caras, por exemplo? É só uma sugestão. Uma meta. Não digo que seria preciso
nem chegar ao 5o lugar que possuem, mas que tal sair de 85o
para uma posição melhor? Se cuida Azerbaijão, estamos na sua cola! Na grama já
conseguimos. Os estádios, dizem, estão lindos. De vez em quando um viaduto cai
na cabeça de um desconhecido qualquer e o mata, mas acontece, não? E o Neymar?
Está sendo bem tratado? Está sem dor? Beleza!
Sendo
assim, se pudesse, agradeceria ao Schweinsteiger e ao Müller pelas palavras de
consolo e respeito dirigidas aos torcedores brasileiros. Mas mais útil e muito
mais importante do que isso, é que aprendamos com eles - e aí me refiro ao país
pelo qual jogam - sobre o planejamento espartanamente seguido, sobre o comprometimento com o desenvolvimento social da população ou sobre a obstinação na busca da excelência acadêmica.
Há
algum tempo, mal conduzidos por seu “condutor”, aprenderam que era preciso
começar de novo. Que os bons projetos precisam de muito esforço e levam anos para
obter êxito. Abandonaram o imediatismo ignóbil, populista, em detrimento da
vitória planejada, cirúrgica, mas não menos meritória. Descobriram da pior
maneira que seu povo precisava mudar e abandonar antigos valores que acarretaram tragédias inapeláveis para só então construir um novo país.
Os
alemães até hoje carregam uma ponta de vergonha ou culpa por um passado que lhes assombrará para sempre
tal o tamanho da catástrofe que remonta, mas sabem que a Alemanha de outrora não é a
Alemanha atual, bem como os alemães de hoje não são os mesmos de antes.
Perceberam e mudaram. Para muito melhor.
Assim
como eles se recordam da dor sentida ao vislumbrar sua cicatriz histórica, a goleada de ontem nunca será esquecida pelos brasileiros. Mas quem sabe, com um pouco
de sorte, ela sirva para nos colocar em nosso lugar e nos apontar, por via oblíqua, o que deveria ser precípuo para nosso país. Ao
lembrarmos da seleção que impingiu a pancada, sempre poderemos imaginar que algo muito mais
difícil foi realizado por esse mesmo oponente que, apenas por dever de ofício, nos
causou tamanha humilhação esportiva.
Destarte,
muito obrigado, Alemanha. Por nos lembrar que existe algo a mais do que o
futebol entorpecente, por provar que o planejamento pode vencer o "jeitinho" e
que uma disputa não precisa levar à submissão moral. Obrigado por nos mostrar
que é só um jogo e não a honra da nação ou a comida na mesa. Por nos ensinar
como nos portar na casa dos outros. Obrigado também pelo futebol de ontem. Foi
bom de se ver. Mas ainda vamos nos encontrar e vocês sabem disso, já conhecem nossa força. Portanto, não
chore por nós, Alemanha. Estamos vivos.
E vamos ficar bem.
"Bis bald!"
"Bis bald!"