“Cada um será tanto mais sociável quanto mais pobre for de espírito, e, em geral, mais vulgar (o que torna o homem sociável é justamente a sua pobreza interior). Pois, no mundo, não se tem muito além da escolha entre a solidão e a vulgaridade.”
―Schopenhauer
“Qualquer homem que, aos 40 anos, não é misantropo, nunca gostou dos homens.”
―Nicolas Chamfort
Outro
dia um amigo me confidenciou, resignado: “disse à minha mulher que não pretendo
fazer mais nenhuma amizade. Estou feliz com as que tenho”. E prosseguiu,
confidenciando que sua esposa havia achado horrível aquela assertiva.
O
que talvez a moça não tenha percebido, é que a afirmação possuía mais conexão com o que seu marido sentia em relação à sociedade atual do que propriamente
com a suposta indicação de reclusão ou algo que o valha.
E,“horrível”, a declaração também não foi. Para alguns parecerá triste, mas garanto
que não é uma visão sem fundamento ou justificativa. Padeço no mesmo dilema.
Talvez pela idade, talvez por cansaço, talvez por desânimo, talvez por um pouco
de cada.
Nunca
neguei que me incluo na classificação filosófica dos pessimistas. Não sou afeto
ao imobilismo e muito menos ao conformismo, do qual tenho pavor, tendendo a me
dirigir, cada vez mais, por coerência e por absoluta conveniência, para o
escapismo. E faço isso, assim como outros tantos, porque não enxergo no cenário
a meu redor, qualquer sinal ou possibilidade de mudança no que concerne às
relações interpessoais. As trocas, sejam de caráter intelectual ou oriundas de
gostos em comum, estão cada vez mais ralas, mais escassas. Mas ei...o problema
pode estar muito bem em mim e não nos outros. E de fato torço para que esteja.
Dito
isso, penso que, por estrada vicinal, tive sorte. Tenho poucos mas bons amigos,
com quem consigo manter a troca de ideias em alerta, tecer um bate-papo ágil,
eivado com concordâncias divertidas e o melhor, discordâncias saudáveis.
Minha
esposa, que também é minha melhor amiga, é fonte inesgotável – ao que parece –
de interessantes reflexões e dicas. Sejam de livros, músicas ou filmes. Resta
ainda, uma meia dúzia de dois ou três náufragos em meu círculo, com quem consigo
traçar um conversa despolarizada, fugindo de padrão monolítico, variada em
temas e direções.
Claro
que possuo inúmeros “conhecidos” e um leque de “colegas” com quem posso
tergiversar sobre o resultado do jogo do fim de semana. Mas todos sabemos que
não é a mesma coisa. Não é a isso que me refiro. Minha constatação se direciona
a algo que não é o assunto óbvio, trivial. Preciso me sentir desafiado. Não tenho interesse em vídeo
cassetadas ou em saber quem é o “líder” da semana.
Não
tenho interesse em pessoas. Mas anseio por conhecer seus trabalhos, suas ideias. Não me
interessam Anitas, Ivetes, Ronaldos, bem como excrescências musicais ou
visuais, ou programas de auditório e realities shows. Não me atrai quaisquer
exaltação ou culto a celebridades. Não acredito que o futebol, mesmo aquele
praticado pelo time que torço, seja indispensável para a minha vida ou para a
saúde da nação. Desprezo irremediavelmente noticiários catastróficos,
catárticos ou apelativos. Uso apenas uma rede social, que é baseada mais em
fotos, me permitindo visualizar com rapidez os equipamentos de música de que
gosto e os livros e cotidianos de algumas pessoas que me parecem ser bacanas. Mas
não me iludo com essa teia também. Ela é frágil.
Fora
isso, admito, de peito aberto, que prefiro os livros, os filmes e minha
guitarra, à abissal maioria das pessoas. Tv eu já não sei o que é faz anos. Só vejo os jogos do Flamengo e nada mais. Mas o que
haveria a mais? Me digam. Pergunto sem ironias embutidas.
Quando
entro em um shopping conto os minutos para sair de lá, tal o barulho e a ansiedade
pelo consumo estampado no rosto das pessoas. Nunca entendi direito essa
fascinação por shoppings. Um circo onde não há pessoalidade para se adquirir nada, onde
a ideia primordial é justamente a supressão da individualidade em detrimento do varejo
para a manada.
Faz tempo
que esse “comportamento anti-social”, quiçá misantropo, apareceu. No começo
lutava contra ele, o rejeitava envergonhado, como um judas que é culpado mesmo sem
nunca ter beijado o salvador. Hoje isso mudou. Não posso dizer que tenho
orgulho ou garantir que essa opção agregue algum sinal maior de inteligência,
pois isso seria tolice e presunção, mas que convivo em paz com tal escolha,
isso convivo.
Em
uma sociedade que prima pela ambição desmedida, que aprecia a fama fugaz, que
enaltece a ganância ao arrepio do bem estar, que promove a exclusão, a divisão,
seja ela religiosa ou financeira, que desmerece a educação, educadores,
cientistas e pesquisadores, mas entrona artistas de quinta categoria e pseudo
celebridades fabricadas a granel por jornais e revistas ordinárias ou viciadas, me
parece que o escapismo não é uma saída das piores.
Notei
que, com o tempo, essa “alienação” não me deixou menos indignado, e nem
deveria, mas pelo menos não me deprimo com tanta frequência ao abrir um jornal
coalhado de atrocidades, descritas com requintes de morbidez, quase de sadismo.
Não me chateio tanto quanto antes, quando, cada vez que ligava a televisão,
ela vomitava mesmices, músicas para néscios, programas cuidadosamente criados
para apedeutas e noticiários tão rasos e parciais, que me davam náuseas. Definitivamente isso não me traz apelo e continuo a me questionar se deveria trazer para alguém.
Que fique cristalino que isso não significa querer desconhecer ou fechar os olhos para questões e
atualidades realmente relevantes no mundo que nos cerca. Mas sim, ao tomar
conhecimento delas, saber onde, como e com quem pesquisa-las, compreendê-las e discuti-las. Até porque, ler notícias em Internet ou escutá-las em emissoras de tv, sem se dar ao trabalho de verificar sua veracidade ou procedência, passando imediatamente a tomá-las como verdade e a reproduzi-las como fatos é, no mínimo burrice e, no máximo, imprudência.
Sendo
assim, meus caros amigos, me deparei com a questão que dá título ao texto. O
que seria melhor, face ao nefasto quadro apresentado, se assim você também o enxergasse?
Permanecermos atentos às trivialidades, futilidades e banalidades que nos enfiam
goela a baixo todos os dias e, por consequência, ficarmos deprimidos por realmente não desejarmos “comer
na mesma mesa”, ou nos alienarmos em poucas mas frutíferas relações, com
trocas genuínas e profícuas? O que é mais produtivo? O trânsito pedestre, catando as migalhas largadas pela mídia profissional, ou a abdicação consciente da coprofagia perpetuada e incentivada pelos "sapientes" meios de comunicação? Alienação voluntária ou depressão compulsória?
É claro que para outros, não para mim pois não as vislumbro, pode haver uma terceira ou quarta alternativa. As experiências e entendimentos aqui narrados são anedóticos, pessoais, não precisam valer para
mais ninguém. No entanto, acho justo e relevante que se pergunte: será que
realmente se abdicar dessa realidade propagandeada, cuspida diariamente nas telas e jornais, essa opção por se limitar a amizades escolhidas a dedo,
ao arrepio do contador de "amigos" que varia no compasso de “clicks” de mouse, a
preferência pela companhia de bons livros e de magníficos filmes cheios de
ideias e referências construtivas, faria de mim, efetivamente, um
“alienado”? Essa “misantropia
calculada”, essa “anti socialidade ofensiva”, essa fuga à regra, “in casu”,
contém coeficiente bastante de patologia para ser condenada?
Caso
positivo, e em nenhum momento nego que não, me digam, por obséquio, qual é a
virtude de quem consome lixo? De quem abana o rabo sem sequer saber quem é seu dono. De quem não faz a menor
ideia onde está o galo ou por que ele canta mas, ainda assim, adora ser
acordado com um cacarejo. Poderá ser alegado que são mais felizes? Sim, é
possível que sejam. Mas uma pergunta ainda persiste: quem é o verdadeiro alienado?