Muito
jovem abandonei a guitarra. Os estudos no colégio onde era semi-interno, depois a
faculdade concomitante ao trabalho, a puta da vida, tudo isso me afastou da
música. Pelo menos aquela que poderia contar com a minha participação em sua
criação ou execução. Isso sempre me fez mal. Sempre.
Mas
na maioria das vezes, é assim que a banda toca. Aparecem barreiras, muros,
empecilhos que nos desviam das rotas mais agradáveis e nos direcionam rumo ao
óbvio, ao trivial e, quase sempre, ao que é o suficiente para sobreviver.
São contas, família, preocupação com o trabalho, uma luzinha piscando no painel do
carro. Existem tantas possibilidades de desvios que por vezes aquele
verdadeiro prazer, aquele hábito coalhado de tesão inato, é relegado para segundo plano.
Depois para terceiro. Quarto. E enfim ele é subjugado. Foda...
Acontece
que essa mesma vida que lhe tomou aquela paixão, vira e mexe te recorda que tal amor existiu. E assovia que ele não morreu, apenas adormeceu. Pior. Te adverte,
através de mil sinais, que um dia a princesa vai acordar, mas que para isso é
preciso um beijo. Não se impende um ósculo de cinema. Um na bochecha já deve ser o
suficiente. E é justo aí que a maioria erra.
Carecemos
de algo que foi ficou na juventude e, muitas vezes, sentimos o impulso de abraçar
aquela sensação ou prazer abandonado. Mas não podemos ou devemos embarcar em um
resgate atabalhoadamente, como se jovens ainda fôssemos. Podemos ser “lambreteiros” aos
quarenta. Mas seremos “lambreteiros” de quarenta. Isso precisa ficar claro como
o sol. Um carro esporte não o fará voltar aos vinte se você tiver cinquenta.
Mesmo que você o use com o propósito e direção de uma pessoa de vinte. Nesse
caso você não irá rejuvenescer, apenas se tornará ridículo.
No
entanto, mesmo face a trágica e inapelável realidade imposta pelo tempo, é possível saborear aquele
prato que outrora lhe era tão precioso. Basta você achar a receita certa,
atualizada, coerente, viável. O único ingrediente que não pode faltar mesmo, é
a coragem. Coragem para recomeçar, para descobrir que ainda não é tarde. Coragem
para entender que a cútis das mãos não é tão vistosa quanto outrora, mas que os
acordes continuam os mesmos. E foi nisso que apostei.
Compreendi
que não era apenas o afã de voltar a
mexer com música, mas sim a necessidade de me expressar. Minha proposta de vida atual, minha cristalina
misantropia, cumulada com a preguiça vagabunda que nos acomete em determinado
momento de nossa existência, seja por questões orgânicas, seja por canalhice
incontida, nunca me fez sequer cogitar ter uma banda novamente. Então como sair
dessa sinuca de bico?
Bem,
nunca fui muito fã de música popular, ou dos jabás tocados repetidamente no
rádio. Tampouco me tornei um saudosista, apegado aos mesmos conjuntos que ouvia
na adolescência. Aliás, isso é um ponto positivo. Não há mérito ou inteligência alguma em se cultivar o hábito obtuso que muitos adquirem após uma certa idade, de acreditar que a solução para o que há de ruim "de hoje" está na panaceia do “o bom era na minha época”. E o motivo é simples: ao se adotar esse raciocínio, se perde muita coisa legal. Esse argumento é intransponível, a meu ver.
Comecei a estudar novamente sobre equipamentos e ler de forma obstinada sobre o que foi criado de novo desde que parei de tocar. Muito tempo se passou e muita coisa havia acontecido. Tive a sorte de me deparar com uns videozinhos postados no Youtube por um carinha chamado Andy Othling. Curti na hora, mesmo não sabendo o que estava curtindo. Um cara sentado, uma guitarra, um monte de pedais e o mais importante...um bom coeficiente de originalidade.
Quase
ninguém o assistia à época, mas eu não perdia um vídeo. Gostava da técnica, da
sensação que a música do mancebo passava, do fato de que ele não pedia ou
precisava de ninguém para dar o recado. Do jeito dele, criava algo não
necessariamente novo, mas indubitavelmente pessoal.
Pensei, "I
can do that". Claro, não sou profissional, não possuo a técnica do sujeito, nem posso
investir em equipamento como faria uma pessoa comum que vive nos EUA e compra
pedais de U$300 por U$300. Por outro lado, compreendi que a falta de pretensão
poderia ser minha maior aliada. Lembrei que, ao arrepio de meus inúmeros defeitos e de minhas mais pedestres características, possuo uma virtude da qual não abdico: "I don’t give a shit". Sou apegado a ela. Portanto faria música sem pudores e, acima de tudo, para mim.
Desta feita, comecei a brincar. Errando muito mais do que acertando, o que, diga-se
de passagem, acontece até hoje. Mas não me entrego e insisto, como um funâmbulo desengonçado, fazendo das cordas da guitarra a minha corda bamba. Aprendi a montar
pedalboards, a posicionar pedais na cadeia, a microfonar um amplificador, entre tantas
coisas legais. Ainda assim, queria fazer algo diferente. Como sempre gostei
de cinema e a música que faço me parece bem pertinente à trilhas sonoras, tive
a ideia de fazer um videozinho de dois minutos combinando um time lapse com a
música. A meta então passou a ser casar as imagens com o som, criando,
acima de tudo, uma sensação. Soundscapes para landscapes.
Ocorre
que, para a minha genuína surpresa, que persiste até hoje, as pessoas curtiram.
Vejam só. Por mais experimental, subjetiva, estranha "bagaraio", que seja a insânia proposta. Provando que ainda há espaço para algo fora do óbvio, do comercial,
das rimas néscias vendidas a granel em nossas tvs e rádios. E por favor, não estou dizendo que é bom, pois isto sim, seria a pretensão a que me referi antes e que tanto desprezo.
Nos
EUA a ambiência se difunde e nem poderia ser diferente, já que apareceu como
uma alternativa a mesmice musical que temos por aí hodiernamente. Ainda é
considerada uma música feita por hipsters, para hipsters. Mas que se foda. A
verdade é que cada vez mais as pessoas se interessam por suas nuances e
possibilidades. Tenho visto filmes independentes com trilhas que parecem ter
sido feitas com apenas uma guitarra e talvez um pequeno teclado. Novamente, não
que isso seja novo ou revolucionário. Apenas a técnica empregada é. E é porque
o equipamento utilizado ou é recente ou se tornou acessível apenas agora.
O
fato é que as possibilidades são infinitas. Me dá enorme prazer ver a
criatividade com que pessoas descompromissadas com o mainstream, utilizam
pedais incomuns para criar efeitos improváveis. É revigorante saber que tem gente
fazendo música livre de antolhos ou de regramentos castradores, que engessam a
mente e os dedos.
Eu
optei por fundir aos vídeos e às músicas, em alguns casos, citações escritas ou trechos de poemas recitados, por minha notória e irrefreável afeição à literatura. Mas o
interessante é que é possível ser inserido qualquer elemento à ambiência,
dependendo das influências e do que escolher quem a faz. Essa amplitude é relevante. Ainda mais
hoje em dia.
Mas
escrevi tudo isso apenas para dizer que nem sempre é preciso abandonar os sonhos.
Os projetos, outrora engavetados, podem ser novamente iluminados. Basta que se
encontre o caminho para isso dentro do razoável, do possível, sem ilusões. Quando muito jovem você quer ser o The Edge. Algum tempo depois você descobre que não será.
Porém, mais tarde, você percebe que nunca precisou ser. Olha que legal.
O
importante é que toda aquela sua energia contida, clamando por se expressar, possa ser gritada, bem como todo aquele recado que fora um dia calado, enfim possa ser transmitido. Se gostarem
ótimo, se não curtirem se salvarão os mortos e feridos, da mesma maneira. A crase sanguínea é que você esteja aproveitando. Que esteja se divertindo, sendo feliz exercendo sua individualidade e estendendo os limites de sua
criatividade.
Sendo
assim, escreva, pinte, fotografe, filme, pegue de novo o instrumento empoeirado
atrás da porta. Aquele mesmo que você guardou aos 18, quando eivado de sonhos,
abdicou deles face a um “bem maior" ou na expectativa de um "mal menor". O inelutável condão da arte em
quaisquer de suas matizes é o de fornecer os elementos capazes de mudar as
pessoas e, com isso, transformar a percepção do mundo que nos cerca. Porém, tão importante quanto isto, é o
que ela faz com quem a perpetua de alguma forma. Pois atingindo aos outros,
atinge também a seu criador, o alterando para sempre.
Sabe
aquele garoto de 18 anos? Aquele mesmo que abandonou a música? Ele não existe
mais. Apenas quando toca a guitarra. Aquela mesma que também fora rejeitada. Nesses
parcos minutos então, o tempo, a idade e o passado, não fazem diferença e nem
poderiam. Está aí o resgate. Eis o propósito atingido. No entanto, o que realmente importa, o que conta ou prevalece, é a música. Ela foi o início e deve ser o fim da história.
Quem é o senhor para fazer as pessoas perderem o ponto de ônibus e ter que andar duas quadras por causa disso? Senhor HPCharles, mas andei essas duas quadras pensando, se o que estou fazendo é o correto não foi a primeira vez que parei pensando nisso. Estou na graduação de ciências contábeis, amo o que eu faço todas contas se encaixando novidades que deixam a administração do escritório de boca aberta. Mas amor, paixão mesmo tenho pela literatura, não iniciei faculdade na área pq a faculdade próxima fica na cidade vizinha. Devo novamente rever meus conceitos, mas o pensamento como diz o texto a cima contas, auto realização, família e até o mesmo o comodismo me esta sufocando nisso. Pensamento da noite rever e agir nos meus conceitos. Abraços
ResponderExcluirRever conceitos, meu amigo...é tarefa para ser exercida durante toda nossa vida. Grande abraço, Joseph.
ExcluirSe não me engano, fui o primeiro a dizer que suas musicas se enquadrariam perfeitamente em trilhas sonoras cinematográficas. Ao ouvi-las eu ficava imaginando filmes que poderiam andar lado a lado, encontrava vários por sinal. Vejo que você uniu as melodias com imagens, e deu vida visual as melodias com total maestria. Quem sabe no futuro você não cria um quadro encaixando suas melodias em películas? Vai que o bagulho fica legal! Ai meu irmão é nóis que tá, Abraço e sucesso para ambos HPX e Tatiana.
ResponderExcluirE não é que casou, Marco? Muito obrigado pelo apoio de sempre, meu amigo.
ExcluirTu é um cara foda irmão, tem me aturado a um bom tempo com minhas limitações que só você sabe. Enquanto houver um ultimo suspiro estaremos juntos, mesmo que em mente brother. É nóis!!!!!
ExcluirE assim voltou a fazer o que gostava, inesperadamente, descobre que suas produções são ouvidas com admiração. Há esperança, HP, há esperança...
ResponderExcluirEsperança para mim, ou para a música? Para a música sempre haverá. Quanto a mim, sou uma causa perdida, rs. Abração, John.
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