Um
dos primeiros textos que escrevi nesse fagueiro bloguinho cuidava da
agressividade e da estupidez com que algumas pessoas defendiam seus livros e
autores preferidos. Começava a acompanhar vlogs literários com um pouco mais de
assiduidade e, mesmo com todo o meu background, oriundo de um canal que
abordava assuntos ligados a ateísmo e religião, me surpreendi com a virulência
das postagens, com as fuleiragens e com os xingamentos gratuitos ao se
manifestar qualquer opinião que não fosse de encontro à exímia pontaria da
Katniss.
Mesmo
que nada ou muito pouco sustentasse seus argumentos, alguns fãs de portentosos atores e distopias
“aborrecentes”, excitados com a masculinidade do Edward ou fascinados com a
originalidade de Hunger Games, pareciam insultados pessoalmente com qualquer
crítica que se fizesse a tais obras-primas.
E
assim batiam pezinho, chamavam de burros, clamavam aos céus por justiça. Fiquei impressionado. Do alto da minha tola ingenuidade, acreditava que ninguém discutiria
por livros. Bom, pelo menos não tão hostilmente. Como escrevi na oportunidade,
na minha época não havia “team Sherlock ou team Poirot”. Aquilo tudo não fazia
muito sentido para mim. Talvez porque não houvesse mesmo. Religião, vá lá, era
mais do que esperado, afinal é algo impregnado na cultura familiar, é a
alavanca moral para muitos. Mas livros...foi meio que surpresa. Confesso.
Algum
tempo se passou e percebo com tristeza que a prática da catarse digital, com o abuso da vulgar e contemporânea válvula
de escape das frustrações diárias através do teclado, não é prerrogativa
de discussões acerca de livros, política, ou religião. Hodiernamente, ela
impera até no que tange ao iogurte. E isso acontece porque, evidentemente, o
problema está nas pessoas. Dedução óbvia, porém desagradável de engolir.
Lamentavelmente, a
internet tem se tornado estrada pavimentada por pseudo intelectuais que ululam
paudurescentes, ávidos por atenção e por usarem as palavras que aprenderam naquele
dia. Por adolescentes chateados com mais uma espinha que apareceu “out of the
blue”, justo quando a Minancora acabou. Por fascistas, que vivendo em uma bolha coalhada de valores morais
“superiores”, vociferam para que tais sandices sejam impostas a todos, suprimindo a diversidade. Por fundamentalistas religiosos, ansiosos por salvar quem não deseja ser salvo. Por analfabetos
funcionais que não se dão ao trabalho de dar um simples Google no assunto
antes de comentar estultices, mas que já chegam xingando, estabalhoados que são.
E com “ch”, passando imediato recibo de sua condição.
Me
perdoem a lhaneza repentina, mas estou cansado. Em que pese a incrível
ferramenta de consulta, a estupenda capacidade de interatividade ao alcance dos
dedos, a irrefreável propensão à sociabilidade e entretenimento, a internet,
também, é a casa dos mal amados e dos cretinos. E eles aparecem em cachos.
Procuram o embate, são draconianos em suas opiniões, previsíveis, os machos
alfas dos comentários. Prontos para fazer de qualquer discordância uma luta de MMA.
Só porque atrás do teclado são foda.
Pegam
raivinha, chamam “pra porrada”, negativam aleatoriamente, parvos que são. E
notem bem, não estou aqui defendendo a tolerância com o intolerável, o respeito
que não foi conquistado, a cortesia britânica ou condenando a arrogância
oriunda de conhecimento superior. Isso seria hipocrisia da mais vil e pedestre. Até porque é possível ser extremamente indelicado, quiçá rude ou xucro, sem o uso de termos chulos, de palavrões. O que me chateia mesmo, é o pé na porta que encerra o assunto. Aquele que previne o pleito,
a objeção, o diálogo. Isso é péssimo. Mata o tesão.
Asininos,
os caras perdem antes mesmo de começar o jogo, já que o negócio é ter razão,
mesmo que a força. Em suas cabecinhas vazias, é preferível serem ridículos a parecerem
frouxos, seja lá o que isso signifique para eles. O insuportável para tais
sujeitos - e não digam que nunca se depararam com infelizes desse calibre em suas viagens
binárias - é a admissão de que podem aprender algo com o contraditório. Que
possam amealhar conhecimento através da opinião alheia.
Comigo
é justamente o contrário. Aprecio o calor da discussão e, por vezes, sou eu quem
coloca mais álcool na fogueira, mas sou inteligente o suficiente para perceber
que aprendi mais quando estava errado do que quando acreditava estar certo. Mudo de opinião face ao melhor argumento, sem pudor ou dor na consciência. É
uma pequena virtude entre tantos defeitos. Mas o acerto dessa postura é de meridiana
clareza.
A
pluralidade de opiniões, os diferentes focos e ensejos sobre determinado
assunto, a inserção acadêmica, tudo isso deve ajudar ao se abordar uma questão.
Pelo menos deveria. Mas parece que não. Espanca os olhos a multiplicação de donos de verdades
imutáveis, que desprezam o sarcasmo, mas demonstram incrível estima pela
escatologia, pelos xingamentos mais mequetrefes.
Desde
quadrinhos, passando pelo filme de ontem, até “a cerveja que presta”, para eles
tudo parece discussão de arquibancada. Se alguém ousa afirmar que o gosto deles
não é o melhor, ou esposar visão distinta da que possuem os
Hércules da internet, pronto. É o suficiente. "The treta has been planted". Isso é cansativo. Para caralho.
E tudo
porque o cara PRECISA dar a opinião dele por mais infantil, repleta de
chavões, mal educada que seja. Se não a explicitar ele sucumbe, digerido nas
próprias fezes. Notem, não é preciso ser cordeirinho, não é isso que se discute
aqui. A questão é o carrinho na canela ofertado sem sequer ter se buscado a
bola. É preciso haver o jogo, pelo menos. A parada é a ode ao improfícuo, ao
desserviço, é a burrice contumaz.
Qualquer coisa parece ofender. Bom, nem tudo. Sejamos justos. Esses mesmos estelionatários
intelectuais, exceções consideradas, normalmente parecem ter um apego especial pela homofobia, pelo
racismo, pela misoginia, pelo preconceito de qualquer teor. Quem discorda
disto recebe um arroto mal cheiroso nas fuças, sob a pecha de desprezo pelo
politicamente correto. O curioso é que também não nutro nenhuma simpatia por
tal engodo, mas não vejo como isso possa ser traduzido como sinônimo ou servir
de desculpas para posts excludentes, egoístas, repletos de insânias hidrófobas. O caso seria de menos educação formal? Ou de "menas" leitura? Digam vocês.
Penso
que não estou sozinho nesse sentimento. Por vezes converso com conhecidos que
já estão de saco cheio. Que passaram a usar a internet para qualquer finalidade
que não incorra em diálogos. Argumentam que o nível “tá muito baixo”. E fica cada
vez mais difícil refutar essa assertiva. Tal o manancial de falácias, tal o
desinteresse pelo contraditório genuíno, tal a indiferença pelo que o próximo
pode agregar à conversa.
Muitas
coisas legais podem ser encontradas na internet, muitas mesmo. Mas ao que
parece esses onagros tem se reproduzido religiosamente, atrapalhando a brincadeira. Estão por todos os
lados. Joselitos desengonçados. Disfarçados, apócrifos ou de cara limpa, com frequência de carola em missa, néscios como sempre. Me parece que a vida já está difícil demais. Existe uma quantidade enorme de aborrecimentos e vicissitudes inevitáveis no cotidiano. Trânsito, doenças,
contas, impostos sem retorno, falta de segurança pública, entre tantas coisas
desagradáveis. Será que precisamos de mais uma? É uma pergunta justa. A gente acaba por se policiar, por puxar o freio de mão.
O
fato é que pelo que ouço e me dizem, vem crescendo o número de pessoas que se furta a redigir
comentários fora do trivial ou do comezinho. Justamente para evitar
escaramuças. Isso é triste "bagaraio". Claro que agradecimentos e elogios são ótimos, um puta
incentivo. Porém, mais úteis ainda, são aqueles recados que contribuem para a
discussão de alguma forma. Que trazem informações pertinentes, opiniões
bacanas, um olhar dissemelhante sobre a matéria.
Fico
pensando como seria o dia em que os que desejam contribuir de verdade se
ausentarem de vez. Restarão então apenas os trolls incontaminados, os indesejados em todas as searas, os fracassados em todas as esferas, os
rejeitados de toda a sorte. Um mundo onde atributos aspergianos serão endêmicos,
os coloquialismos e ironias incompreensíveis, um paraíso onde cada frase que
não levar “LOL” ao final será assumida como verdadeira. Que belo panorama.
O
autêntico Éden, onde, por trás de cada teclado, haverá mãos hirsutas, guerreiras,
besuntadas de Cheetos e molhadas pelo o suor da Fanta "litrão" bebida no gargalo,
com unhas pintalgadas ou com uma demão do esmalte incolor campeão. Nesse dia
eles terão, enfim, vencido a batalha cibernética, dando mais um passo na
direção de redimir a humanidade, fazendo deste pequeno planeta azul, um mundo
melhor.
Quanto
a mim, já terei me ido faz tempo. Embaraçado
e derrotado, resignado a meus aposentos, só me restará colocar os pés para
cima, e, com um copo de whisky em uma das mãos, e segurando um bom livro desbotado
em outra, acatar meu desbaratamento, acompanhado pela solidão de meus amigos.