Cada
dia que passa, a pressão imposta à combalida humanidade cresce em progressão
geométrica. É muita propaganda, é muita cagação de regra, é muito “o que os outros
vão pensar”, é muita receita de bolo para sua vida; que já é complicada o
bastante.
É um
tal de não faça aquilo, mas faça aquilo outro. É “use aquele shampoo que é
melhor”, é a cor do momento, o vem chegando o verão, o "os outros não irão curtir",
o seu chefe gosta, o perca peso sem esforço.
Chaga
a ser deprimente como as pessoas, hodiernamente, estão neuróticas e adoecidas, engessadas
por exposições incessantes em mídias sociais, bombardeadas por propagandas e
afins e, cada vez mais, se preocupando com sua imagem e reputação, ao arrepio de
seu bem estar pessoal e de suas consciências.
Não
custa recordar que reputação é aquilo o que os outros pensam de você e, portanto, não há como se controlar. Se te curtirem, ótimo, se não, pouco resta
a fazer. Mas somos tolos e não percebemos o óbvio. Então nos moldamos, calçamos
o sapatinho de cristal, nos submetemos, perdemos a porra dos quilos extras e
fazemos tudo aquilo que seu mestre mandar. Claro, porque se não fizermos, nossa
“reputação” fica comprometida. Não vão mais gostar de nós e isso seria trágico.
Ou não?
Essa
mentalidade fascistóide é vendida como banana em feira em qualquer revista,
canal ou jornal, que nos são empurrados goela abaixo, 24 horas por dia, 7 dias
por semana. E o pior, aceitamos. Fomos programados para aceitar. Durante
anos. Mas e quanto à sua consciência? Que é basicamente o que VOCÊ pensa sobre si mesmo? Ora, ela que se foda. A mensagem é entrar no esquema, por mais vagabundo
que seja.
Não
sei muito, mas sei que entregar a responsabilidade da sua felicidade na mão de
outrem, é o caminho mais fácil para ser infeliz. Deixar que outros determinem o
que é bom, à revelia do que você acredita e sente, é o atalho para a miséria
afetiva e a estrada para o desastre psicológico. Entregar a outros a prerrogativa
acerca de seus gostos, sua aparência, seus projetos de vida, pelo troco de
aceitação, mais dinheiro e mais amigos, virtuais ou não, é vender a alma. E o
Diabo dá com uma mão, mas tira com a outra, como ensina a melhor teologia.
É
compreensivo que desejemos ser mais. Mas será que o custo é aceitável? Alguns
dirão que sim, principalmente na juventude. Entretanto, o que vislumbramos com
abissal frequência como resultado dessa proposta, é frustração. E o motivo é
simples. O produto vendido é um poço sem fundo. Um copo que não se pode encher,
por mais que se tente. E o quadro desenhado é nefasto.
Jovens
de 18 anos se entupindo de Viagra porque precisam “foder” como espartanos antes
da última batalha. Meninas epidêmicas, anoréxicas de afeto, vazias de vida,
bulímicas vomitando bile e decepção. Homens hiper bombados, atômicos,
anabolizados, injetados, vascularizados, iletrados, pobres coitados, querem ser
invejados. Isso tudo é para quem?
Sim,
todos nós queremos ser fotografados com o lado bom do perfil. Qual seria o
hipócrita que diria, após anos de meticulosa subtração de sua identidade, que
simplesmente “não liga”? Quem seria esse leão, essa musa inabalável? Mas gente,
tem limite esse câncer? Tem interruptor, potenciômetro, caixa de marcha? Dá
para diminuir?
Diminuir
a expectativa. Diminuir o elã. Diminuir as ilusões e manter os sonhos. Os
possíveis. Os táteis.
É
isso que mata. Colocar o chapéu e os projetos onde a mão não alcança. É por
isso que os recamiers estão lotados.
Cria-se o monstro, alimenta-se o mostro, batiza-se o monstro e quando o monstro
nos devora, a culpa é do monstro. Mas ele era um monstro. Só atendeu à sua
natureza e nos machucou. Porque você permitiu. Porque deixamos a rédea curta,
acreditando que o ciclope estava domado.
E aí
o remédio é tomar remédio. É perder 20 quilos em um mês, torcendo para que o
vazio se vá junto com as calorias. É quebrar os cartões, que obtusos e
inanimados, lhe catapultaram para o precipício que você mesmo construiu. Porque
com aquela roupa, você ficaria mais bonita, mais desejada, mais magra, mais
inteligente, mais molhadinha, mais inteira, mais sobre-humana.
É
aquela pick up enorme que finalmente comprei, aquela mesma que nunca terá a caçamba usada e que me fará ter dor no
púbis todas as vezes em que precisar encontrar uma vaga no supermercado. Mas é
fato, o pênis cresceu 5 centímetros no momento imediato à lavratura do
contrato. Senti dentro do jeans. Foi batata!
E
assim segue a vida. Com goles de culpa, anestesiados por inócuos refrigérios.
Reza uma Ave Maria, que não engorda. Bebe uns goles de Whisky, mistura com
Rivotril. Depois vá para puta que o pariu. Tanto faz, desde que a imagem no
Facebook seja irretocável. À prova do tempo, das intempéries, das dores, sem
rugas, sem carne, períspirito. Vai lá fodão, defeca cheiroso!
Ah
Pessoa, também estou farto de semi-deuses. Mas a pica é que de 1880 e guaraná
de rolha para cá, esses “X-men” se proliferaram, alimentados por tudo o que há
de mau e pernicioso. Começaram por espalhar a esparrela de que o importante era
ter ao invés de ser e “encagalharam” de vez quando mentiram, alardeando que ler
não faz diferença. Padrão Global, porra! Chupa, Aristóteles! Perdeu, playboy!
É
cristalino que não sou um otimista. E como poderia ser? O mínimo contato com a
realidade é o suficiente lhe impactar como um chute nos colhões. Mas ser
pessimista é distinto de ser entreguista. Dito isso, encontrei a minha fórmula.
Algo que não resolve de todo, mas diminui o tamanho da cruz e traz uma brisa de
alegria e leveza à minha vida, nos dias de sorte. Aprendi a diminuir as
expectativas e me importar mais com minha consciência do que com minha
reputação. E quem diz que isso é derrota, não sabe nada. É vitória das mais
lídimas e meritórias.
Minhas
ilusões juvenis se tornaram sonhos adultos. Houve concessões, perdas, choro.
Mas houve crescimento. Descobri que não preciso “agregar valor” em tudo, mas
sobretudo percebi que os valores amealhados, se existem, precisam os SER MEUS.
Me
dei conta de que não precisava de tudo que achava que precisava, aprendi a
diferença fundamental entre desejo e necessidade, me tornei simples sem ser
humilde, gritei um foda-se e ninguém morreu. Nem eu morri.
Um
ano novo começou, meus projetos que podem parecer insignificantes, medíocres ou
desprezíveis ao olhar de tantos outros, permanecem. Mas são alcançáveis. Reais.
Genuínos. Neles não existe um potinho de Chambourcy à mesa pela manhã, pelo
contrário. Existem contas, doença, velhice e receio, mas não os troco por nada.
Por nenhum daqueles que se vendem profeticamente, em shoppings pantagruélicos e
em parvas emissoras de tvs. Meus sonhos tropeçam mas não caem. Despertos,
erigidos por tudo que um dia desejei, mas que nunca conquistei, sabotador de
mim mesmo. Eles me bastam e justo por isso me redimem. Do bem e do mal que fiz
a outros mas sobretudo àquele que me impus. E aí está toda a beleza.
Dei meu jeito. E você? Vai tomar o seu copo de culpa diário? Ou vai jogar uma marcha para baixo? Mas nesse processo, preste atenção. Tem um outro copo na mesa. Nele está escrito “foda-se”. Ele vai te ajudar a lidar com a puta que é a vida e é preciso uma pitada de coragem para beber desse cálice. Nem sempre o conteúdo desce redondo e o gosto às vezes é amargo, mas não raro...o sabor é de vitória. Uma especial. Só sua.
Obrigado pelas palavras. Texto que contribui positivamente para eu iniciar mais um ano. Também me sinto assim e qualquer um mais sensível (no melhor sentido da palavra) sofre com as dores do mundo, sofre nessa "sociedade do espetáculo" onde o ter e a imagem valem mais do que o ser, o conteúdo.
ResponderExcluirAbraços, Bruno.
Ótimo texto. Parabéns! Já faz um bom tempo que decidi ligar o 'foda-se' para o que não acrescenta e diminui. Melhor decisão de todas.
ResponderExcluirMais um texto incrível. É uma missão difícil não se importar com o que os outros pensam sobre nós, mas quando se aprende a não levar tão em consideração tudo o que as pessoas falam e exigem de você, somos bem mais felizes. Como muito bem colocado no texto, atualmente as pessoas procuram uma perfeição inalcançável. Vivo repetindo que nada é perfeito. Feliz 2014 pra vocês! Abraços!
ResponderExcluirTudo o que eu precisava ouvir!! Obrigado Beto!
ResponderExcluirBelo texto. Hoje avistei uma pessoa indesejada, disse ela que eu jamais realizaria meus sonhos e projetos de vida, e fiz o que diz o texto, liguei o foda-se. Dane-se, a vida é minha, os sonhos são meus, a perda é minha, e a vitória também. Ainda não sei a causa que leva uma pessoa a sentir tanta raiva da outra só porque este luta por seus sonhos... Mas não me impressiono, pois, o que mais tem neste mundo são pessoas assim.
ResponderExcluirAbraços :)
Nunca permita que alguém lhe diga o que você não pode conseguir. Essa percepção deve vir, necessariamente, de você mesma. Nada como um dia após o outro com uma noite no meio.
ExcluirAbç.
Aplausos...
ResponderExcluirMuito bom texto! Nossa, você tudo que penso, e que tentei transmitir no primeiro post... Essa mania ridícula de "nossa, como sou lindo e perfeito e NUNCA, JAMAIS ficarei triste com nada". Que porcaria de ditadura da felicidade, o mundo tá ficando falso! Parabéns pelo blog, seria uma honra receber sua visita no meu. Abs.
ResponderExcluirIncrível texto, incrível expressão de como nossa vida tende a ser tão manipulada por mídias e expectativas. Passei por um grande conflito interno e externo recentemente, é triste ter que dizer para os seus pais que você não é o que eles queriam que você fosse, mas é necessário. A partir da decisão que tomei com relação à faculdade busco seguir o que eu quero, não o que eles querem, mesmo sabendo que esse caminho é o mais complicado. É exatamente como você disse: não deixe os outros dizerem o que você não pode fazer.
ResponderExcluirParabéns !
Disse tudo! Bem ou mal, a opinião alheia é só a opinião de outra pessoa como eu, que tira conclusões exatamente como eu, sem nenhuma capacidade suprema de julgamento. E, se é assim, que valha a MINHA para a minha vida.
ResponderExcluirGostei muito do seu texto! ; ) Esse nosso mundo pós-moderno é muito estranho mesmo, né? Por um lado lutamos para nos inserir em uma comunidade, nem que seja virtual, e por outro nos sentimos aprisionados por todas as partes de nós mesmos que temos que abandonar para "pertencer". Acredito que a resposta ainda está no bom e velho meio termo. Temos sim que sentir que fazemos parte de algo, mas sem perder de vista quem nós somos, o que queremos e os nossos sonhos.
ResponderExcluirTexto muito bom, seria interessante se você escrevesse um livro =)
ResponderExcluirSempre gostei de livros, e o seu canal aumentou essa paixão ainda mais! É ótimo ver alguém que também ama livros e reconhece a importância da leitura. Espero que o hábito de ler aumente cada vez mais - embora, assim como vc, eu seja pessimista hehe entreguista jamais!
Caramba!!! Eu acredito em algumas coincidências e sei que a leitura desse texto hoje foi extremamente importante para o meu momento de vida. Perfeito! "Reza uma Ave Maria, que não engorda. Bebe uns goles de Whisky, mistura com Rivotril. Depois vá para puta que o pariu. Tanto faz, desde que a imagem no Facebook seja irretocável."
ResponderExcluirPutz, que texto provocativo, mas perfeito. Fico muito feliz quando leio coisas do tipo e gênero. Pra mim é o que há, verdade nua e crua e doa a quem doer, é o melhor remédio pra acordar, abrir os olhos e encarar a realidade, a vida como elá é... Parabéns...
ResponderExcluirPerfeito!
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