Um copo de f@da-se (por Hpcharles)


Cada dia que passa, a pressão imposta à combalida humanidade cresce em progressão geométrica. É muita propaganda, é muita cagação de regra, é muito “o que os outros vão pensar”, é muita receita de bolo para sua vida; que já é complicada o bastante.

É um tal de não faça aquilo, mas faça aquilo outro. É “use aquele shampoo que é melhor”, é a cor do momento, o vem chegando o verão, o "os outros não irão curtir", o seu chefe gosta, o perca peso sem esforço.

Chaga a ser deprimente como as pessoas, hodiernamente, estão neuróticas e adoecidas, engessadas por exposições incessantes em mídias sociais, bombardeadas por propagandas e afins e, cada vez mais, se preocupando com sua imagem e reputação, ao arrepio de seu bem estar pessoal e de suas consciências.

Não custa recordar que reputação é aquilo o que os outros pensam de você e, portanto, não há como se controlar. Se te curtirem, ótimo, se não, pouco resta a fazer. Mas somos tolos e não percebemos o óbvio. Então nos moldamos, calçamos o sapatinho de cristal, nos submetemos, perdemos a porra dos quilos extras e fazemos tudo aquilo que seu mestre mandar. Claro, porque se não fizermos, nossa “reputação” fica comprometida. Não vão mais gostar de nós e isso seria trágico. Ou não?

Essa mentalidade fascistóide é vendida como banana em feira em qualquer revista, canal ou jornal, que nos são empurrados goela abaixo, 24 horas por dia, 7 dias por semana. E o pior, aceitamos. Fomos programados para aceitar. Durante anos. Mas e quanto à sua consciência? Que é basicamente o que VOCÊ pensa sobre si mesmo? Ora, ela que se foda. A mensagem é entrar no esquema, por mais vagabundo que seja.

Não sei muito, mas sei que entregar a responsabilidade da sua felicidade na mão de outrem, é o caminho mais fácil para ser infeliz. Deixar que outros determinem o que é bom, à revelia do que você acredita e sente, é o atalho para a miséria afetiva e a estrada para o desastre psicológico. Entregar a outros a prerrogativa acerca de seus gostos, sua aparência, seus projetos de vida, pelo troco de aceitação, mais dinheiro e mais amigos, virtuais ou não, é vender a alma. E o Diabo dá com uma mão, mas tira com a outra, como ensina a melhor teologia.

É compreensivo que desejemos ser mais. Mas será que o custo é aceitável? Alguns dirão que sim, principalmente na juventude. Entretanto, o que vislumbramos com abissal frequência como resultado dessa proposta, é frustração. E o motivo é simples. O produto vendido é um poço sem fundo. Um copo que não se pode encher, por mais que se tente. E o quadro desenhado é nefasto.

Jovens de 18 anos se entupindo de Viagra porque precisam “foder” como espartanos antes da última batalha. Meninas epidêmicas, anoréxicas de afeto, vazias de vida, bulímicas vomitando bile e decepção. Homens hiper bombados, atômicos, anabolizados, injetados, vascularizados, iletrados, pobres coitados, querem ser invejados. Isso tudo é para quem?

Sim, todos nós queremos ser fotografados com o lado bom do perfil. Qual seria o hipócrita que diria, após anos de meticulosa subtração de sua identidade, que simplesmente “não liga”? Quem seria esse leão, essa musa inabalável? Mas gente, tem limite esse câncer? Tem interruptor, potenciômetro, caixa de marcha? Dá para diminuir?

Diminuir a expectativa. Diminuir o elã. Diminuir as ilusões e manter os sonhos. Os possíveis. Os táteis.

É isso que mata. Colocar o chapéu e os projetos onde a mão não alcança. É por isso que os recamiers estão lotados. Cria-se o monstro, alimenta-se o mostro, batiza-se o monstro e quando o monstro nos devora, a culpa é do monstro. Mas ele era um monstro. Só atendeu à sua natureza e nos machucou. Porque você permitiu. Porque deixamos a rédea curta, acreditando que o ciclope estava domado.

E aí o remédio é tomar remédio. É perder 20 quilos em um mês, torcendo para que o vazio se vá junto com as calorias. É quebrar os cartões, que obtusos e inanimados, lhe catapultaram para o precipício que você mesmo construiu. Porque com aquela roupa, você ficaria mais bonita, mais desejada, mais magra, mais inteligente, mais molhadinha, mais inteira, mais sobre-humana.

É aquela pick up enorme que finalmente comprei, aquela mesma que nunca terá  a caçamba usada e que me fará ter dor no púbis todas as vezes em que precisar encontrar uma vaga no supermercado. Mas é fato, o pênis cresceu 5 centímetros no momento imediato à lavratura do contrato. Senti dentro do jeans. Foi batata!

E assim segue a vida. Com goles de culpa, anestesiados por inócuos refrigérios. Reza uma Ave Maria, que não engorda. Bebe uns goles de Whisky, mistura com Rivotril. Depois vá para puta que o pariu. Tanto faz, desde que a imagem no Facebook seja irretocável. À prova do tempo, das intempéries, das dores, sem rugas, sem carne, períspirito. Vai lá fodão, defeca cheiroso!

Ah Pessoa, também estou farto de semi-deuses. Mas a pica é que de 1880 e guaraná de rolha para cá, esses “X-men” se proliferaram, alimentados por tudo o que há de mau e pernicioso. Começaram por espalhar a esparrela de que o importante era ter ao invés de ser e “encagalharam” de vez quando mentiram, alardeando que ler não faz diferença. Padrão Global, porra! Chupa, Aristóteles! Perdeu, playboy!

É cristalino que não sou um otimista. E como poderia ser? O mínimo contato com a realidade é o suficiente lhe impactar como um chute nos colhões. Mas ser pessimista é distinto de ser entreguista. Dito isso, encontrei a minha fórmula. Algo que não resolve de todo, mas diminui o tamanho da cruz e traz uma brisa de alegria e leveza à minha vida, nos dias de sorte. Aprendi a diminuir as expectativas e me importar mais com minha consciência do que com minha reputação. E quem diz que isso é derrota, não sabe nada. É vitória das mais lídimas e meritórias.

Minhas ilusões juvenis se tornaram sonhos adultos. Houve concessões, perdas, choro. Mas houve crescimento. Descobri que não preciso “agregar valor” em tudo, mas sobretudo percebi que os valores amealhados, se existem, precisam os SER MEUS.

Me dei conta de que não precisava de tudo que achava que precisava, aprendi a diferença fundamental entre desejo e necessidade, me tornei simples sem ser humilde, gritei um foda-se e ninguém morreu. Nem eu morri.

Um ano novo começou, meus projetos que podem parecer insignificantes, medíocres ou desprezíveis ao olhar de tantos outros, permanecem. Mas são alcançáveis. Reais. Genuínos. Neles não existe um potinho de Chambourcy à mesa pela manhã, pelo contrário. Existem contas, doença, velhice e receio, mas não os troco por nada. Por nenhum daqueles que se vendem profeticamente, em shoppings pantagruélicos e em parvas emissoras de tvs. Meus sonhos tropeçam mas não caem. Despertos, erigidos por tudo que um dia desejei, mas que nunca conquistei, sabotador de mim mesmo. Eles me bastam e justo por isso me redimem. Do bem e do mal que fiz a outros mas sobretudo àquele que me impus. E aí está toda a beleza.

Dei meu jeito. E você? Vai tomar o seu copo de culpa diário? Ou vai jogar uma marcha para baixo? Mas nesse processo, preste atenção. Tem um outro copo na mesa. Nele está escrito “foda-se”. Ele vai te ajudar a lidar com a puta que é a vida e é preciso uma pitada de coragem para beber desse cálice. Nem sempre o conteúdo desce redondo e o gosto às vezes é amargo, mas não raro...o sabor é de vitória. Uma especial. Só sua.
<< >>