2014/2015 – As metas e promessas (por Hpcharles)


Todo fim de ano é a mesma coisa, os blogs, vlogs e os comentários nas mais variadas redes sociais tendem a fazer uma análise de suas metas conquistadas(ou não), no ano que vai se encerrando, passando, logo em seguida, a descortinar as fatídicas promessas para o ano vindouro. Eu confesso que vejo e leio tudo aquilo com alguma credulidade, vez que sinto sinceridade e desejo de sucesso naquelas palavras e vídeos. Ao mesmo tempo, me deprimo um pouco. E não poderia ser diferente, pois tais desígnios apenas atestam minha incapacidade como ser humano e confirmam a minha inabilidade em me comprometer com projetos audaciosos.
Senão vejamos.
Eis alguns comentários consignando metas que li e ouvi, mais de uma vez, para meu absoluto assombro...
“Esse ano serei feliz!”
Oh, really?! Por que diabos não pensei nisso antes? Sim, por que não me comprometi com algo tão trivial em todas as décadas que se passaram? Bom, talvez porque A PORRA DA VIDA SEJA DIFÍCIL PRA CARALHO! E porque felicidade é uma questão de momento. Ela vem e ela vai. Simples assim.
“Esse ano comprarei menos”.
Ok, essa eu entendo. MAS O QUÊ?! Feijão? Cachaça? Camisetas (ao longo dos 10 últimos anos essa promessa não incluiu roupas. Lógico!) Gadgets que você NÃO PRECISA, mas quer?! Por favor, quando for tornar pública uma meta de vida tão arbitrária quanto previsão de cartomante, tente ser pelo menos um pouco mais específico. Isso é roubar nas metas. Não vale, ok?
“Esse ano vou emagrecer”.
Mesmíssima merda. Quanto? Acho razoável e justíssimo cobrar uma média, não é mesmo? Se forem duzentos gramas cumpro logo hoje, depois da sauna. Vamos parar com a apelação!
“Esse ano serei mais paciente, educado, gentil com familiares e nas redes sociais”.
Taí uma meta bacanuda! Eu me engajaria nessa junto com a galera. É claro que é preciso se considerar na equação, os crentelhos, os gênios políticos do mundo virtual, os silvícolas e trolls que “abundam” nossa querida internet. É preciso lembrar também que um esforço espartano será necessário para deixarmos de lado - ou pelo menos diminuirmos - a mania vagabunda que temos de descontar todas as nossas frustrações cotiadianas e bateções de pezinho, oriundas de nossa infância mal resolvida, em nossos pais, esposas/maridos, namoradas/namorados, noivas/noivos, filhos, porteiro, filhos do porteiro ou no cara que demorou para acelerar quando o sinal abriu. Isso porque é mais fácil ser um bebezão supersensível do que tentar ser mais paciente e justo. Assumir responsabilidade é sempre mais complicado do que repartir a culpa.
“Esse ano lerei 257 livros, verei 4098 filmes (fora as séries) e beberei menos”.
Acredito na parte dos livros e filmes :)
Agora, afeto à realidade, como sou...notem as MINHAS metas para 2014 e percebam porque posso ser cunhado de incompetente mas nunca de hipócrita. Botei o chapéu onde a mão alcança! E “mifu! Não adiantou porra nenhuma e falhei miseravelmente.
1 – Jurei que não ia mais jogar o controle remoto da televisão na parede (ou qualquer outro objeto ao meu alcance), todas as vezes em que o Luiz Antônio ou o Muralha (pretensos jogadores do Flamengo, para quem vive em Marte ou então não fecha com o certo e não torce para o Mengão, papaizão, doutrinador de antis), errassem mais um passe de dois metros.
Lógico que não consegui. Mas é o Luiz Antônio e o Muralha. Se tivesse me comprometido com a paz entre Israel e a Palestina, teria mais chance de sucesso.
2 – Falaria menos palavrão. Lógico que não consegui, “a revanche”. Mas a culpa é toda do Luiz Antônio e do Muralha, aqueles pernetas filhos da puta do caralho!
3 – Treinaria escalas na guitarra pelo menos 4 vezes por semana, mas com o metrônomo. Cumpri pela metade. Metrônomo é chato bagaraio.
4 – Beberia menos. Precisa responder? “gulp...”
5 – Seria mais paciente com os meus, ao menos. Bom, já tinha me referido a isso. Acho uma meta possível e legal demais. Penso que consegui. Tendo em vista o huno que era, o visigodo que fui um dia, melhorei do vômito para o vinho. Escorrego, é um trabalho em construção, mas acredito realmente que melhorei.
Nota: Se o Luiz Antônio e o Muralha forem negociados ao fim desse ano, em 2015 tenho grandes chances de me tornar um monge budista. E pelo que dizem, deus é pai, não é padastro.
Agora tio HP vai passar uma lição de vida inestimável, que foi exatamente o que fez com que pessoas como Bill Gates sejam o que são. Prestem atenção! Todas as vezes em você se impuser metas que exijam mais de você do que você conseguiu, não se esforce mais. Simplesmente reduza suas metas e aceite sua insignificância.
Por isso mesmo reduzi minhas metas para 2015, de 5 para 3. Vamos a elas, porque aqui o bagulho é sério.
1 – Não vou mais jogar o controle remoto da televisão todas as vezes em que o Luiz Antônio ou o Muralha entrarem em campo.
Tô de sacanagem com vocês! Não vou cometer o mesmo erro duas vezes, não é mesmo? O que preciso é encontrar uma autorizada que venda controles a preço de custo. Serão duas metas para o ano que vem e olhe lá. Viu como sou bom no que proponho? Nem começou o ano e já matei uma meta.
2 – Lerei Finnegans Wake no original.
3 – Abaixarei a tampa do vaso.

Quanto à minha meta referente à leitura, 100% de vocês cagaram um quilo certo, óbvio. Não poderiam ligar menos e eu que me foda com a minha "polidez". Agora...quanto a abaixar a tampa do vaso...
Bom, aí os sentimentos são difusos e me parece razoável que a questão de gênero seja inclusa na percepção de tamanha empreitada.
As mulheres diriam:
“É sempre assim, os bons já estão comprometidos.”
“Se acertar a regência verbal e abaixar a tampa do vaso, é um príncipe na terra. Simples assim”.
“Vou compartilhar esse texto com a porra do meu marido para ele aprender o que é uma meta de vida!”
“Podia até ser anão, tudo o que eu sempre quis foi um homem que abaixasse a tampa do vaso. Meu pai de santo pode confirmar”.
“Querido, o problema não é desejo, é mira. Mas boa sorte assim mesmo. Alguém tem que conseguir, pode ser você. Eu não ligo pra isso, de verdade...e meu telefone é o...”
Os homens:
“Traidor! Isso é um maníaco, um tarado! Em um país mais sério estaria preso!"
“Qual é o endereço desse filho da puta?!”
“Hahahaha, esse lixo tá pensando que vai mudar a evolução em um ano? Só falta esse merda dizer que não vai deixar a toalha molhada em cima da cama. Bolsonaro 2018!"
“Cancelando a inscrição nesse blog agora, porque se minha mulher vir essa porra terei que prometer a mesma coisa que esse lunático. Eu não preciso disso na minha vida. Adeus!"
“É viado”.
Pois é gente, feliz Natal e um esplêndido 2015 para vocês. Espero do fundo coração, agora sem brincadeiras, que vocês conquistem o mundo, no ano que chega. Que sejam mais humanos, mais participativos, que leiam mais livros interessantes, vejam mais filmes relevantes, que sejam MAIS FELIZES, SIM! Porque a felicidade está na procura e não no achado. Porque é na busca que ela se torna própria e genuína, mesmo que momentânea. E porque é melhor estar feliz do que não estar. Não choramos porque estamos tristes, estamos tristes porque choramos. Acredito nessa filosofia. E acredito que podemos vencer o mundo se a tarefa de vencê-lo for comungada, dividida, sem preconceitos ou exclusões. Essa é a única meta que realmente deveríamos perseguir. Todas as outras são secundárias porque viriam na esteira da primeira. A vida é curtíssima. Amem mais.
E obrigado por aturarem a gente durante esse ano.
Grande abç!
PS.: Luiz Antônio e Muralha estão excluídos do meu “posfácio”. Que se fodam esses ceguetas de merda que não acertam o gol nem por decreto. Tomara que as esposas dessas nulidades futebolísticas leiam esse texto e os mande treinar a mira no vaso. Aí eu quero ver, motherfuckers! Payback is a bitch!

Escotofobia (por Hpcharles)



Quem te disse que precisamos de máquina do tempo? De teletransporte? De pó de Pirlimpimpim? Basta cerrar seus olhos...

Quem te disse que Diadema fica longe de Paris? Que os limoeiros de sua “Rua dos Limoeiros” não são os mesmo da Rua Morgue?

Quem te enganou, afirmando que Poe não vive de verdade em sua estante bamba de sonhos e conhecimento? Pesada como as pálpebras das horas de leitura que abasteceram seus sonhos juvenis.

Sonhos onde fantasmas tropeçam em armadilhas de Doyle. Fantasias vitorianas, “séculodezoitoanistas”, vestidas de tule e cartola. Sonhos tranquilos, com cheiro de chuva, com gosto de fruta catada no pé, sonhos bilíngues.

Será que não vês Auguste Dupin cochichando com Fitzgerald, bem aos pés de tua cama? Só falta me dizer que não escutas Vivaldi assombrado pela eletricidade batendo nas cordas, em válvulas saturadas no limite, na margem...on “The Edge”?

Dorme, minha linda! Sonha com tuas distopias, transforme-as em utopias com um  gole de chá verde.

Embriague-se em devaneios de magos de chapéu pontiagudo, unicórnios e varinhas de condão. Mande um “alô” para Fournier. Um beijo para Anne Rice. Uma reverência para Saramago em sua sabedoria de Algarve.

Agora, o escuro que te assusta, é seu melhor companheiro. Tua escotofobia te redime, te resgata. Embala suas canções prediletas, seus heróis invencíveis, seu coração de menina.

Nesse mesmo breu com ermo debelado por interruptores fluorescentes, agora correm, sem direção, elfos, cineastas com estima de recamier e homens de caneta de pena; parnasianos, ébrios, românticos, tuberculosos...mas VIVOS!

Na mesma medida em que seu sono de década de 50 homenageia Alice e Peter Pan, no auge de seu Rapid Eye Movement, Stipe balbucia em seu ouvido de edredom: you`re The One I Love...

Sonha remansosa, doce garota. Sonha com cremes que restauram a pele e o espírito, com unguentos curativos de dores na alma, com perfumes com bouquet de eucalipto, oriundo de florestas coalhadas de gnomos e fadas.

Anuncie para todos as boas novas prestidigitadas, como arautos com megafones de cartolina, os arcanos guiados pela cartomância de tarot, irmanados com feiticeiros de turbante, mágicos com serrotes que não cortam e ilusionistas de cartas na algibeira.

Quem te disse que isso não acontece enquanto dormes? Quem mentiste para ti? Não existe limite para literatura, não existe baú que contenha a imaginação, cadeado que resista a arte e seus corolários de revolução, não existe isso...só aquilo...

Mas nessa estrada de sinais paradoxais, de “passarinho me contou”, não esqueça sua lancheira, caso tenhas fome. Guarneça a bolsa trançada de couro com pão de ló, queijo e cogumelos. Leve “erva de fumo” caso passe no “Condado”. Escale as muralhas de Isengard, acene para Tolkien (por mim) e lhe diga que é um gênio.

Pela manhã, quando a fantasia começar, e a férrea Linha Azul te conduzir para um mundo onde gente sem esperança, preconceito, fome e pobreza surgirem homeopaticamente - tal qual vilões de um conto de Stephen King - e, onde seres humanos, por suas condições, não são sequer notados em suas “capas de invisibilidade” construídas pela desigualdade; lhes dirija um sorriso e diga o que já sabe: “é tudo ilusão”.

Siga então seu caminho onde possa dividir seus maneirismos anglicistas, seus comprimidos de “TAIIIILENOL”, seu “cup of tea”, atingindo sempre “the heart of the matter”, influenciando corações e mentes. Essa é a sua maldição abençoada.

Que Thor, Kardec, Apolo, Osíris e Jeová te acompanhem em seu percurso. De olhos abertos, no inverso do inverso, eles são verossímeis, bondosos, participativos, sorriem para ti e para a humanidade desconsolada, humilhada, carente de afeto e afagos.

Quanto a mim, agradeço por me permitir participar, de mãos dadas contigo, da grande viagem que é a tua vida. Fértil, alva, comungada, com viço de roseira.

Obrigado pelo sorriso ditoso, pela nova jornada. Entramos no trem por nossas próprias forças, mas é preciso que alguém nos dê o ticket.

Obrigado pelas conversas sem limites, desposadas das críticas de maturidade de asilo, da velhice coxa e prematura. Obrigado pelo sexo tímido, pela confiança inconsútil, pelo caráter de Távola Redonda.

Saiba que, mesmo em seu lindo mundo de fadas, de atrizes de cinema e caminhos de estrelas, você é o porto seguro que pedi. Esposa de mãos de pianista, coração onírico, verdadeira princesa em um mundo repleto de mulheres...
                            

As Caixas de Nossas Vidas (por Hpcharles)



Olho para um canto de meu quarto e nele há uma caixa. Nela nada há de materialmente significativo. Alguns cd's, roupas usadas, itens de higiene pessoal, fotografias que hoje fazem pouco sentido. No entanto, ela me incomoda. Preciso tirá-la de minhas vistas. Por que?

Existe outro conteúdo dentro dela. Só que é intangível, invisível fora de minha cabeça. Com esse é mais difícil de lidar. Ele é altamente representativo, pessoal. Traduz lembranças, sentimentos difusos. Sei que preciso compreendê-los ao invés de evitá-los. Uma cansativa sensação de fracasso dá um peteleco em meu peito. Me levanto e então prossigo.

Uma questão precisa ser relevada nesse processo. Ela é biológica, mas também é filosófica. O ser humano é o único animal que possui consciência de sua mortalidade. E isso tem um preço caro. Todo conhecimento tem um custo. Talvez venha daí sua dificuldade em lidar com perdas. Seu óbice paradoxal em buscar o precípuo para seguir em frente. Encerramento.

E essa é a sua maior tarefa ao longo da vida. Talvez a única. Lidar com suas perdas. As vitórias todos tiram de letra. A promoção no emprego, o carro novo, aquele beijo que há muito que se queria dar e finalmente aconteceu, o gol do campeonato aos 45 do segundo tempo. Tudo isso desce “redondo”. É fácil, remansoso. Não é preciso preparo, transpiração. Por vezes nem sequer saboreamos. Mas deveríamos.

Já com as perdas a história é diferente. A morte de um familiar, a demissão inesperada, o enterro de uma relação. Isso é foda. Com PH e vidro moído. Mas esse é um trabalho que precisa ser feito. Sem esse luto não seguimos em frente. É preciso vivê-lo. Só que ele é amargo, o gosto é de fel.

Certa vez uma grande psicanalista me disse: “mais de 90% das pessoas que sentam em meu divã, o fazem por um mesmo motivo. Culpa.”

Culpa porque não fizemos melhor, porque “deveríamos” ter feito melhor. Onde está a minha máquina do tempo? Nos cobramos incessantemente pelo que poderíamos ter feito, em uma atitude que não passa de mera masturbação intelectual. Não podemos mudar o passado. Mas podemos tentar entender nossas atitudes, repartir a culpa, aceitar nossa falibilidade primata e então partir para outra.

Me dispo para o banho e ao olhar no espelho, reparo em meu corpo nu e percebo rugas, pequenas cicatrizes e imperfeições. Porque não as teria também na “alma”? Não pertencem ao mesmo ser? Só não são vistas. Até conseguimos disfarçá-las para os outros, mas não para nós mesmos. Ainda não criaram tal maquiagem. A solução é abraçar o espólio, conviver com ele.

Aliás, não concordo muito com a palavra “superação”. Parece coisa de comercial de livro de auto-ajuda. Me parece que convívio, é o vernáculo pertinente, “in casu”. Fico abismado quando leio que tal celebridade terminou com o “amor de sua vida” ONTEM e hoje declara que hoje são “bons amigos”. Quem são esses super-heróis? Ainda tenho que lidar com o término de minha primeira namorada, de quando tinha 15 anos. A questão é que o tempo embalsama a dor. Serve de unguento. Melhora tudo. Mas dá uma chafurdada para você ver?

A água corre em meus cabelos e, em um arroubo pragmático, decido que ao sair do banho vou esvaziar aquela caixa e pronto. É pá de cal. Um alívio passa correndo pelo chão do banheiro, mas entra no ralo. Falar é fácil.

Invento desculpas e xingo Klüber-Ross. Preciso da caixa para colocar as tranqueiras, é isso. Juro que hoje à noite quando eu voltar do trabalho eu limpo aquela merda. Estou na fase da “barganha”. Mi-mi-mi puro.

Enquanto me enxugo, tomo coragem e resolvo parar de evitar o inevitável. Por minutos, apenas olho para seu conteúdo. Não ouso por minhas mãos lá dentro. Titubeio. A tentação de empurrar o papelão para baixo de um móvel qualquer é grande. Penso com meus botões: “mas para que mexer nisso? Deixa quieto, oras! Não está atrapalhando a passagem”. Mas está...

Fazemos tudo para evitar a dor. E esse é o maior problema. Empurramos para baixo do tapete. Fingimos que não vemos. Juramos que nós vamos mudar, os outros nos juram que vão mudar. A dieta começa na segunda. E as caixas vão se acumulando embaixo do armário. Será que ainda tem espaço?

Decido por derradeiro que o “couro vai comer” e compulsivamente retiro os objetos, separando os que podem ser úteis daqueles que já deixaram de ser úteis faz muito tempo. Mas se já não eram úteis, por que não foram jogados fora antes?

Porra de retentividade mórbida! Me dou conta então de que certas coisas já estavam mortas faz tempo e era eu que insistia em guardá-las. Depois era só colocar a responsabilidade nos ombros do outro, né? “Mea culpa, mea maxima culpa”.

Aquele alívio que passou correndo no banheiro, agora estava ali do meu lado, olhando para mim. A tensão diminui. O ritmo e a facilidade da tarefa aumentam, causando surpresa inclusive a mim.

Tirei a rejeição, a baixa auto-estima já saiu, a raiva pulou para fora com a foto do aniversário na casa dos amigos. Dou uma risada quando lembro que odiei aquele dia. Quando me recordo que não queria sequer estar lá. Porque fiz tanta tempestade para limpar essa caixinha? Porque diabos na hora da tristeza, só lembramos das coisas boas e não daquelas que nos trouxeram até aquela situação, em primeiro lugar? Agora vejo com clareza meridiana que tanta coisa já havia perecido e a única coisa que fazia a caixa ser importante era a caixa em si, e não seu conteúdo. Acreditei que ali dentro houvesse um leão, mas jazia um criceto.

Um sorriso de vitória reside em meu rosto, agora. Claro que tenho que me cobrar por não ter feito isso antes. “Olá culpa filha da puta, como vai?" Tudo tem seu tempo. Mas também não devemos esquecer que somos nós que fazemos nosso tempo. Que a vida é ação.

De fato, não limpava a caixa porque não vislumbrava os motivos corretos para fazê-lo. Precisava limpar a caixa não para jogar tudo fora. São só objetos, não significam nada de verdade. Precisava limpar a caixa porque precisava da própria caixa, não do que estava dentro.

Precisava da caixa para disponibilizar o espaço. Para poder enchê-la de coisas novas. Não tinha percebido que a caixa é a mesma de sempre. O que colocamos dentro dela é que muda. Como colocar novas fotos, novos empregos, novas roupas, novos amores, se ela ainda está repleta de objetos velhos? Se não há espaço?

Lembro do brilhantismo de Newton e dou uma gargalhada quando penso na possibilidade de que o cientista tenha descoberto que “dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço”, possa ter ocorrido ao tentar arrumar o baú da esposa.

Minha pasta com material de trabalho fica incrivelmente leve. Me visto com alegria e roupas coloridas, despojadas. Ajeito o cabelo e pego as chaves do carro. Mas paro um instante e olho para o mesmo canto do quarto onde se encontra a mesma caixa.

Dessa vez ela não me assusta, pelo contrário. Está vazia. É convidativa, atraente. Mal posso esperar para saber o que vou colocar nela. O que estará reservado para aquele espaço. Quais sabores, odores, quais viagens? Qual a cor do cabelo, gosto musical, que filmes entrarão ali? Não importa. O que importa por enquanto é que ela está disponível. Já estava faz muito tempo. Eu é que não via.

Recebo um e-mail no telefone. Um amigo me chamando para seu aniversário. Um novo aniversário. Aceito. Bato a porta. Encerro o assunto. 

E a caixa finalmente é fechada.

Manhã de Natal (por Hpcharles)




Desperto com o cheiro de meu próprio vômito.

O lençol ordinário, que não troco faz semanas, está banhado em suor. O odor é acre, pútrido. Olho para a mesinha de cabeceira ao lado da cama e noto que sobraram alguns dedos de whisky na garrafa destampada. Por um milésimo de segundo acredito na vida e levo o gargalo até a boca, sorvendo o que restou do veneno. Não fora o suficiente.
Lógico.
Abro a cortina, a luz me cega. Do outro lado da rua, deitado na calçada, noto um mendigo abodegado. Já está desperto, olhando para o nada. Sem esperar nada. Sem acreditar em nada. Sujo, infame, sem filosofias a não ser a de roer os ossos que lhe seriam jogados no dia da redenção. De minha janela, aceno para ele mostrando a garrafa de whisky vazia. Ele balbucia algo ininteligível e senta novamente em seu trono de cimento e cacos de vidro, na calçada. É Natal.
Mesmo de longe, consegui vislumbrar feridas pustulentas em suas mãos. Chagas, “intratadas, incuradas”, viciadas, infectas por se arrastarem no asfalto quente e coalhadas de fezes de cães e ratos. Isso não lhe importava. E por que haveria de importar? Um gato de rua apareceu metafisicamente e lhe lambeu os estigmas. É Natal.
Fecho as persianas, o sol me incomoda mais do que o moribundo do outro lado da rua. Olho para a pequena mesa onde se encontra a velha máquina de escrever de meu pai e procuro, ávido, algo que sei que deixei ali. Algo que me interessa. Muito. E não é uma rena. É neve, pois é Natal.
Empurro para o lado e jogo ao chão, emburrado e asnático, folhas e contas que não paguei, e encontro o que queria. Não poderia ter usado tudo. Mesmo eu, o calejado, o herói geneticamente privilegiado, o “specimen” fabricado para a química transgressora, não conseguiria. Pego o cartão de uma loja de departamentos qualquer, que recebi e nunca desbloqueei, e separo mais uma carreira. As mãos não tremeram e a primeira benção se consignou. O milagre da multiplicação se materializava e, em um ato de prestidigitação pura, aspirei as três carreiras em uma tacada. Como um campeão. É Natal.
Todo lado direito de minha face adormece e me sinto energizado. Enfia aquele seu Red Bull no cu, ok? Aprende a brincar, playboy de merda. Olímpico e renovado, me dirijo ao banheiro e abro a torneira da antiga banheira com pés de metal, orgulho inalienável de meu muquifo decrépito. Calmo, inexplicavelmente calmo, tempero a água com a ponta dos dedos. Tépido. É Natal.
Tiro a roupa, aquela suja com vômito, agora ácido, e a jogo ao chão, porco sem lama. Pego o maço de cigarros, a caixa de fósforos – e uma preocupação acima do normal me aflige, no que concerne a molhar a pequena lixa na lateral da caixinha. Levo também uma garrafa de vodka que guardo fechada faz dois meses, algo que para mim equivaleria derrotar os malditos 300 espartanos, sozinho. Arrebento o lacre com os dentes e minha gengiva sangra como se houvesse uma briga de faca em minha arcada inferior. Cuspo vermelho e exalo fel. Foda-se. É Natal.
Falta pouco.
Pego meu cadavérico exemplar de Finnegans Wake e leio as últimas páginas, marmorizando um clichê patético, apenas para rir um pouco de mim. Como se fosse necessário. Incrível, mas passei a desprezar Ulysses depois de um teco qualquer, em uma noite qualquer. Maldito pó. Ou maldito Joyce. Escolham, tô nem aí. Afinal, é Natal.
Então pego minha navalha.
Nunca lidei bem com dinheiro, mas taí uma compra da qual nunca me arrependi. Em que pese minha sui generis fixação com algumas armas brancas, ninguém condenaria minha escolha. O cabo de madrepérola, o entalhe meticuloso, uma pequena caveirinha engravada na lâmina. Foda. Se acreditasse em caixão e pertences para o além, a levaria comigo. Mas não sou egípcio...e porra, é Natal! Que mesquinhez é essa?
Molho o filtro do cigarro na vodka, o acendo sem pressa e, cirurgicamente, o levo aos lábios. Inalo a fumaça cancerígena, lembro do roto da esquina e me culpo porque percebi que sobraria vodka. Derramo meia garrafa do álcool russo na garganta. Sem concessões. A gengiva não existe mais...existe, mas não a sinto. Tudo é perfeito. Pois é Natal.
Tomo a navalha nas mãos ao mesmo tempo em que termino o Finnegans Wake. É incrível como sempre fiquei produtivo com as drogas. Talvez porque elas me fizessem me suportar, ou talvez porque me fizessem suportar os outros. Mas isso não será mais um problema. É Natal e me darei o presente pelo qual anseio desde de os 14 anos. Foda-se a bicicleta, às picas com o autorama.
Olho para meu pulso esquerdo, veias salientes, azuladas, uma pequena tatuagem imbecil. Espraguejo mentalmente acerca da necessidade e precisão do corte vertical, pois cometer um erro de principiante nessa altura do campeonato tiraria todo o mérito de ter terminado a porra do Joyce. Um estúpido pensamento pedante me vem pouco antes do metal tocar a carne e fico em dúvida se não deveria mesmo é ter me concentrado em The Faerie Queene. Mas estou sem pó, com pouca paciência e o dia da redenção é hoje. Essa é a promessa judaica-cristã em toda a sua miserável essência. A Purgação da culpa que ela mesmo criou. E vou cobrar pessoalmente daquele pederasta comunista que plagiou Confúcio, Epicteto, Zoroastro, Buda e a puta que o pariu. Ou alguém acha que o pai da criança é o Espírito Santo? Aquela pomba imbecil. Não é pomba, eu sei, é a porra da metáfora draconiana de sempre. Por mim poderia ser um ornitorrinco, ou um dromedário, muda pouco. Mas vamos acabar com o pessimismo. É Natal.
Dou mais um gole na vodka, o esôfago já se foi, apago o cigarro na lateral do meu pescoço, não por masoquismo, mas para ter certeza de que ainda estou vivo e me sentir vivo uma última vez mais.

E então me opero.

É Natal e tudo dá certo.

O sangue transborda, férreo, não sinto mais nada. Dor, culpa, sofrimento, amargura, raiva. Apenas paz. Não deixo bilhetes, bens, amores, filhos. Apenas cesso de existir. E isso é lindo. Começo a desfalecer pela hemorragia e tenho consciência disso...é só brilho e alívio.
Meu corpo finalmente vai escorregando nas águas rubras da banheira e ouço um barulho oco, seco. A porta se abre e vejo uma figura de cabelos compridos, já indistinguível por conta de meu estado. Ele segura a minha mão. Diz que tudo vai ficar bem. Se debruça sobre o chão, recolhe a garrafa de vodka cheia pela metade e se vai. Veio pela garrava e levou meus pecados. Todos eles
Foi o único Cristo que conheci. E foi o melhor. O desdentado, o mulambo que defeca no chão, o maltrapilho banido pela cheiro de merda que emana de seus fundilhos, o pária salvador com sua cabeça infestada de lêndeas. Mas o que bebeu da minha garrafa sem limpar o gargalo. O único que nunca me prometeu nada que não cumprisse. O único que compartilhou minhas fraquezas, sem perguntar quais seriam. O único que não me julgou. O único que me deu a mão, quando viu o pior de mim - e manteve a mão junto à minha -, me redimindo da vida que nunca quis, me fazendo vencer o mundo, me devolvendo ao universo como poeira das estrelas, pagando minha dívida, extinguindo o fogo e me transformando em carne. Apenas carne e pus. Nada mais. Porque nada há mais. Porque é isto tudo o que somos. Quando a navalha encontra a carne e lhe ensina tudo o que é preciso saber.
É Natal.

Young APAE (por Hpcharles)



“A children's story that can only be enjoyed by children is not a good children's story in the slightest.”
― C.S. Lewis

"Classic" - a book which people praise and don't read.”
― Mark Twain

   Uma de minhas mais vívidas lembranças da adolescência é a de meu pai me levando à livraria Leonardo da Vinci, no Rio de Janeiro. Para mim era o que havia. Cinema no Centro, comer um filé à parmegiana em um restaurante do qual não me lembro o nome e, por fim, nos encaminharmos ao subsolo do Edifício Marquês do Herval, na Av. Rio Branco.

   Meu coroa, até hoje um leitor obstinado, quase patológico, se é que assim posso dizer, sempre me parava em frente à vitrine antes de entrarmos para me comunicar o recado de sempre: “Beto, você pode escolher o livro que quiser, mas ficará responsável por lê-lo. Sem desculpas”. E assim o fazia.
  Entendi, algum tempo depois, que com isso meu pai pretendia me ensinar duas coisas. A primeira e cristalina, é que para um livro ser analisado com algum apuro, precisa, "ao menos", ter alguns de seus capítulos lidos apropriadamente para lhe averiguar estética e forma. Óbvio? Para alguns, sim. Para outros, ao que tudo indica, basta se ler a orelha.
  A segunda, e a qual quero abordar nesse texto, é a mensagem mais “camuflada” na diretriz em comento e que, basicamente, aduz: “se nem eu que sou seu pai lhe digo o que você deve ler, não permita que outros o digam”.
  Banhado em tal liberdade, aos 16 já havia lido Bukwoski e, bem antes, bastante coisa de Doyle, incluindo aí, não só a coleção de SH, mas também alguns livros de suas Histórias Fantásticas e de Ficção Histórica. Já havia lido também Steinbeck e Faulkner. Simplesmente porque queria. E podia.
  Não faz tanto tempo, comecei a ouvir o termo Y.A. com frequência nauseante. Cunhou-se, pelo que se nota, uma subdivisão que compreende pessoas entre 14-21 anos, podendo se estender até os 29. Pasmem! Jovens-adultos, essa é a categoria criada para se qualificar uma literatura com determinadas características que atendam ao universo dessa faixa etária. O curioso é que para mim só existiam dois tipos de livros: os bons e os ruins.
  É de clareza meridiana que os livros infantis precisam ser distinguidos dos adultos, mas a justificativa é absolutamente pertinente. Crianças, em sua abissal maioria, ainda podem se perder em ironias, sarcasmos, coloquialismos, metáforas. As figuras de estilo lhes são difíceis ou inacessíveis, exceções consignadas. Toda a estrutura de linguagem é apropriada e dirigida para o aprendizado primário e básico, em virtude da capacidade cognitiva ainda não ter se desenvolvido suficientemente para uma literatura mais exigente ou pouco fluída. Por outro lado, me causa estranheza a ideia de se “enlatar” o adolescente, vez que este já superou as questões supracitadas.
  Mentira. Não causa, não. Eu entendo perfeitamente a jogada. Em que pese o fato de que as pessoas possuem um desenvolvimento cognitivo ou intelectual diferenciado, o negócio aí é dinheiro. Vamos ser honestos. Vamos abrir o jogo de uma vez. Sacam o tal do “público alvo”? Pois é. Fica mais fácil trabalhar. Ajudam também as prateleiras e capas estratégicas, em cores únicas, brilhantes, “fofinhas”.
  Os temas repetitivos, as estórias contadas em tom melífluo, com escrita condescendente, muitas vezes pedestre, abundam. São enfadonhas, previsíveis, pobremente escritas e sobretudo, desnecessárias.  A menos que se leve em consideração a grana. Aí se tornam "indispensáveis e originais". É o que dizem. Quem inventou essa “catiguria” ou cuidou de expândi-la, sabe que os adolescentes formam um público que gera muito lucro. Muito mesmo. Sabem também o quão influenciáveis são. Adolescente, via de regra, quer pertencer a um grupo, ser aceito, participar. Ele sabe o que o outro está lendo, já viu no Facebook, no Twitter, no Instagram, no celular do amiguinho, aquele mesmo que tem uma capinha dos Vingadores ou com orelinhas da Minnie.
  Ele compra o livro que disseram que foi feito para ele, sabendo que farão um filme especial, também feito para ele, baseado naquela mesma “obra-prima” de hype inegável. Com aquele livro, ele sentiu que era especial. O autor o conhece, só pode, tamanha semelhança com seu mundo. Só que, é claro, no livro tudo é “cool”. Os diálogos, os romances e até os piores dramas. O quão isso é parecido com a realidade, não é mesmo? Identificação pura.
  No universo Y.A. o negócio é ser legalzão. Tudo é tão conectado, tão gostoso e ramansoso, é como dormir de conchinha. Vampiros são legais, sádicos, cancerosos e crianças que matam crianças, são mais legais ainda. Distopias sem originalidade vendem milhões, unindo o mundo para torná-lo melhor. E tudo de presente para o adolescente, aquele pequeno motherfucker.
  Mas quem disse que é isso mesmo que o adolescente quer, ou precisa, ou deve ler? Não foi ele. Ou foi? Ou será que escolheram por ele e fizeram parecer que fora ele próprio que o fez? Quão conveniente. Esse é o truque. Vil e filho da puta.
  Pois eu duvido muito que, se perguntados diretamente, esse mesmo público alvo não diga que prefere escolher DE VERDADE o que deseja ler. Mas para isso, é preciso que saibam que podem ler coisas diferentes do que a mídia lhes empurra, grotescamente, goela abaixo. É preciso que acreditem que são capazes de ler uma literatura melhor, livros mais bem escritos. Que aceitem que não precisam consumir o que é fácil ou agradável. É necessário que saibam que existem prateleiras no fundo das livrarias.
  Me incomoda um pouco que os enganem, ainda mais se disfarçando de “miguxos”, quando na verdade os subestimam por muitos trocados. A literatura deve entreter, mas também desafiar. E uma coisa não exclui a outra necessariamente. Quanto à mídia e a indústria do entretenimento, eu já desisti faz tempo. A qualidade pouco importa e todos sabem. Se vender, está ótimo. Mas gostaria que alguns autores parassem de ver os adolescentes como bichinhos de estimação e se eximissem de escrever, vislumbrando nestes jovens, o condão da responsabilidade pelo pagamento da hipoteca de suas casas de praia. Se concentrassem em construir bons livros e pronto. Sem concessões, sem desdenhar de suas capacidades intelectuais. O que tenho visto é apadrinhamento e não literatura de excelência.
  Espero, sinceramente, que esse panorama mude daqui a algum tempo. Que esse frisson, esse direcionamento perca força, ao menos. E torço para que esses mesmos adolescentes de hoje, que acreditam que o que consomem (e que lhes fora vendido meticulosamente por um mercado sem nenhum escrúpulo) é o que há de bom para se ler, não se decepcionem tanto quando verificarem que absolutamente não é. Com sorte descobrirão que a culpa não é deles e nem tampouco das estrelas. É apenas uma questão de grana e de ganância. Nada mais.

Bate papo com o pessoal do curso de Letras da Faculdade Sumaré (BlogWriMo #6)

Parte do pessoal que participou do bate papo ;)

Fui convidada pela Iris, professora de literatura da Faculdade Sumaré (e que também é colega- “tchitcher” ;) a conversar com os alunos sobre literatura/leituras/experiência com o canal e afins.

Acabei optando por falar sobre como anda a leitura no Brasil, falei sobre os resultados da  última pesquisa, que mesmo desatualizada (ela é feita a cada 4 anos, e a última foi feita no final de 2011), trazia alguns dados relevantes para discussão, como por exemplo a queda do número de leitores no Sudeste enquanto o número cresce no Nordeste, mulheres leem mais do que os homens, e por aí vai.

É claro que com uma “palestrante” sem foco como eu, a conversa passou também pelo mercado saturado (principalmente de livros para jovens adultos), o descuido com as bibliotecas públicas, tradução e revisão capenga de livros, etc,etc...

Enfim, foi muito gostoso ter conhecido e conversado com todos os presentes, ter acrescentado mais essa experiência à minha bagagem, e poder reafirmar que conversar ao vivo com vocês sobre livros, leituras e afins é muito bom, gratificante de verdade ;)

E eu ainda ganhei flores e um livro lindo ;)))



Aproveito o post para agradecer, mais uma vez, à teacher Iris pelo convite e oportunidade, aos alunos pela participação e pelo carinho, e a você que está lendo agora ;)

PS: ainda estou esperando ser marcada nas fotos  tiradas, para poder roubá-las solenemente ;)

Marion Zimmer Bradley




Marion Eleanor Zimmer Bradley nasceu em Albany, Nova Yorque em 1930, bem no meio da depressão econômica que assolava o país desde 29. Filha de pais muito pobres, precisou trabalhar muito cedo como garçonete e faxineira. Aos 16 anos, ganhou da mãe uma máquina de escrever e começou a dar vida aos seus personagens.

Primeiro, para sobreviver, escrevia romances sensacionalistas, como estórias de sexo e mistério para revistas. Nos anos 50 já era reconhecida como uma escritora de sucesso produzindo esse tipo de “sub-literatura”.

Chegou a escrever fanfics da obra de Tolkien (sobre sua personagem preferida, Arwen – inclusive alguns desses contos sobre Arwen chegaram a fazer parte de sua antologia profissional).


Enveredou mais tarde pela ficção científica e ficou mundialmente conhecida como a escritora da série Darkover (ainda tem muita gente fã desses livros por aí... ).

Mas nada disso importa porque um belo dia, casada pela segunda vez e com 2 filhos para criar, ela resolve entrar para um grupo de ativistas lésbicas e resolve escrever livros e mais livros com mulheres fortes como protagonistas.

E é esta a minha fase favorita da Marion – porque aqui ela escreveu simplesmente 4 dos livros mais sensacionais já escritos por alguém em todo o mundo: As Brumas de Avalon.

Quando do seu lançamento, As Brumas de Avalon ficou na lista dos mais vendidos por meses. Foi traduzido para diversas línguas. E pela primeira vez ela escreveu algo incontestavelmente de excelente qualidade. Aqui ela recria a lenda do Rei Artur a partir do ponto de vista das personagens femininas da estória (sua mãe Igraine, sua irmã Morgana, sua esposa Guinevere...). Este livro tem diversas prequências e uma sequência (a estória começa portanto durante a queda de Atlântida (em 2 volumes) e termina em A Sacerdotisa de Avalon com a história de Helena, mãe de Constantino.).


O incêndio de Tróia, também, na mesma linha, conta a história da guerra a partir do ponto de vista de Cassandra – outra incrível personagem feminina.

Marion deixou alguns livros inacabados que foram finalizados por escritoras amigas suas.

Ela morreu em 1999, ano em que eu estava terminando o colégio técnico. Fora Kurt Cobain e Renato Russo (alguns de meus ídolos da adolescência), lembro de ter chorado pela morte da autora de alguns dos livros responsáveis pelas minhas intermináveis visitas à biblioteca pública.


Sempre que posso, releio As Brumas, sonho com Lancelot, torço por Morgana e choro por Arthur.


Bernard Corwell, o escritor de "Tough Lit*"





Bernard Cornwell é um escritor britânico aclamado pelos seus romances históricos.

Nascido em Londres em 1944, seus pais faziam parte da força área britânica durante a Segunda Guerra Muldial. Não se sabe ao certo que fim levaram, mas sabemos que ele foi criado por pais adotivos, excêntricos – eles faziam parte de uma seita conhecida como Peculiar People, uma coisa meio Amish. Fugiu de casa para cursar a faculdade. Trabalhou como professor, trabalhou para da BBC por anos, e resolveu escrever seus próprios livros.

Mas isso, só quando resolveu se mudar pr´Os Estados Unidos. Cornwell se casou com uma americana, mas, mesmo assim, seu green card foi negado (too British?). Então, passou a atuar como escritor, sem registro, vivendo na ilegalidade e compondo sua obra repleta de recriações de momentos históricos antigos de seu local de  origem: a Bretanha.

Dentre seus livros, os mais fantásticos dos quais eu já tive contato, são, sem dúvida, os 3 volumes que compõe As Crônicas de Artur. Enquanto Marion Zimmer Bradley recontou a lenda de Artur através do ponto de vista das personagens femininas, Cornwell fez exatamente o oposto: Artur e seus companheiros são retratados de um ponto de vista extremamente macho. Sem frescuras. Com muito sangue e suor. Sem dó nem piedade. E a magia de Avalon dá lugar às... mandingas? Macumbas? E seu Santo Graal na verdade são relíquias de procedência duvidosa... e todo mundo é bárbaro e sujo, e... é sensacional!

Essa “escrita para machos” permeia toda a obra do autor. Desde sua interminável série sobre Sharpe (vivido no seriado britânico pelo Sean Bean, sim, ele mesmo, Lord Eddard!) que hoje já conta com uns 20 volumes (eu parei no terceiro... shame on me... ), passando pela trilogia do Arqueiro, suas Crônicas Saxônicas e seus livros avulsos como O Condenado e Stonehenge. É melhor deixar o “nojinho” de lado se resolver se aventuar a ler cenas realistas de guerras em épocas nas quais nem se sonhava com armas de fogo, granadas e bombas atômicas... era tudo feito “na unha”. E Cornwell sabe contar essas histórias como ninguém.

Fica, então, o convite a conhecerem o trabalho deste escritor fantástico, e, se quiser uma sugestão de por onde começar, eu não vou pensar duas vezes: comece pelo O Rei do Inverno ;)


* o termo "Tough lit"surgiu para denominar livros que seriam o oposto de "Chick lit", ou seja, ao invés de "livro de mulherzinha", temos aqui "livros pra macho";)

Philippa Gregory






Philippa nasceu no Quênia em 1954. Seus pais se mudaram logo para a Inglaterra onde a autora cresceu e vive até hoje.

Formada em história, doutora em literatura do século XVIII, ficou conhecida pelos romances históricos sobre antigas famílias reais da Inglaterra. Seus livros mais famosos são os 6 volumes que narram as desventuras da dinastia Tudor (um deles, o A Irmã de Ana Bolena, inclusive, virou filme hollywoodiano com Natalie Portman e Scarlet Johanson no elenco).


Conheci os livros da Pipa quando estava acompanhando a última temporada do seriado Tudors na TV a cabo. Eu era tão aficcionada pela série que durante a últimas temporada fui entrado em desespero porque sabia que logo ficaria órfã. Procurei outros filmes baseados na vida do Henrique VIII, encontrei alguns baseados principalmente nos infortúnios de Ana Bolena, e não me lembro exatamente quando foi que caí nos livros sobre os Tudors, mas acabei comprando vários de diversos autores. E os que achei mais incríveis foram os dela.
Extremamente em escritos, com boa base histórica (tá, eu sei, ela dá uma incrementada aqui e ali, umas reviravoltas, deixa uns ganchos para prender o leitor, mas mesmo assim, os livros dela consolaram ( e ainda consolam) muitos órfãos do seriado de TV como eu ;)

Os ingleses abominam seus livros – a autora foi duramente criticada pelos seus compatriotas exatamente por esta série sobre os Tudors, principalmente pelo retraro lamentável que ela criou para a heroina Ana Bolena (tida como mártir pelos protestantes, ícone pelas feministas e retratada pela autora como vil e mesquinha).

No ano passado, fiz um vídeo para o meu canal noi youtube em que falo sobre os livros dela que já li e adoro:

Além dos livros dos Tudors, Philippa escreveu diversos outros romances sobre diferentes períodos históricos, mas como não conheço esses livros, prefiro deixar para comentar em outro momento (já tenho 2 volumes de uma trilogia sobre os Plantagenetas, os avós do Henrique VIII, digamos assim, na fila para leitura).

Fica a dica de mais uma autora fantástica e seus livros incríveis ;)

John Green, o irmão mais velho




John green nascu em 1977 em Indiana, Estados Unidos. Cresceu em Orlando. Formou-se na fauldade em Literatura Inglesa e Religião no ano de 2000. Seu livro Looking for Alaska (meu favorito) baseia-se em suas experiências durante este período.

Ao sair da universidade, trabalhou como capelão em um hospital para crianças em Chicago (e suas experiências neste período o ajudaram a escrever o The Fault in Our Stars ). Em seguida trabalhou resenhando livros para um jornal especializado em literatura por vários anos, até resolver escrever suas próprias estórias.

Hoje em dia, o já renomado escritor YA segue trabalhando em seus livros e dedicando seu tempo a manter contato religiosamente semanal com seus fãs, junto com seu irmão, em um vlog conhecido  hoje em dia como Vlogbrothers.

Esse projeto começou quando John mudou-se para Chicago, perdendo contato diário com seu irmão mais novo, Hank, que continuou na Flórida. Eles trocavam vídeos entre si semanalmente para contar como andava a vida bem como coisas aleatórias. Este canal cresceu e depois de um tempo foi-se modificando até virar um vlog propriamente dito em que os dois se dirigem à audiência – não mais um ao outro.

Além de um cuidado grande com seus viewers, uma vez que sua esmagadora maioria é formada por adolescentes,  os dois mobilizam frequentemente sua audiencia a participar ativamente em melhorias para a comunidade e para o bem estar de todos.

Um grãozinho de areia? Pode ser, mas a meu ver, eles já fazem muito. 

Apenas por pertinência...(por Hpcharles)


"O homem sensato não deixa de sentir prazer com o que tem pelo fato de alguém ter mais ou melhor. A inveja, na realidade, é uma forma de vício, em parte moral, em parte intelectual, que consiste em não ver as coisas em si mesmas, mas somente em relação com outras. (...) Quem deseja a glória, poderá invejar Napoleão. Mas Napoleão invejou César. César invejava Alexandre e Alexandre, provavelmente, invejava Hércules, que nunca existiu. Não se pode, por conseguinte, combater a inveja só por meio da conquista da glória, pois haverá sempre, na história ou na lenda, algum personagem cujos feitos tenham sido mais gloriosos. Pode-se combatê-la, sim, pelo gozo dos prazeres que se nos oferecem, pelo trabalho que tivermos de realizar e evitando comparações com aqueles que imaginamos, talvez sem razão, mais ditosos do que nós." (Bertrand Russell, em "A conquista da felicidade")

Pois é...

Não chore por nós, Alemanha (por Hpcharles)


 "O nacionalismo é uma doença infantil; é o sarampo da humanidade". 
                                                             (Albert Einstein)
Ontem, após a histórica goleada imposta à seleção brasileira de futebol, assisti a um curto e  interessante depoimento de uma das maiores estrelas do time alemão, o jogador Schweinsteiger. Com feições de quem soprou as velinhas do bolo antes do aniversariante, o alemão disse, constrangido, que lamentava a maneira como as coisas aconteceram, dando a entender, em síntese apertada, que o castigo foi demais.
Para quem assiste futebol há algum tempo não foi difícil perceber que o escrete alemão, ainda no primeiro tempo, “tirou o pé do acelerador”. Entenderam que não seria necessário torcer a faca, que o caixão já estava fechado. Sabiam que o placar, naquele momento, já seria por demais doloroso para os torcedores brasileiros. Se quisessem, acho justo supor tal a facilidade encontrada, poderiam chegar aos 10 gols. Foi um ato de respeito. Simples assim.
Foi um ato de respeito de uma seleção que sempre se mostrou, durante toda a estadia - que ainda não terminou - como genuinamente afeta ao Brasil. Foram solícitos ao povo ansioso por autógrafos e amáveis com os jornalistas. Mostraram, acima de tudo, como se portar fora de seu país, já que durante esse pequeno período de competição, não passam de ilustres visitantes. Pelo menos nunca se posicionaram como mais do que isso. O problema é que quem recebe também precisa demonstrar respeito com quem é recebido.
E será que oferecemos a cordialidade que se impõe àqueles incumbidos de desempenhar o papel de anfitriões? Que digam os chilenos que, durante a execução de seu hino, tiveram que cantá-lo junto com uma tremenda vaia, em uma atitude lamentável de boa parte da torcida brasileira presente no estádio. Por obséquio, não me venham alegar a invasão do centro de imprensa do Maracanã e suscitar revanchismo. Fica pior. Não quero me nivelar por baixo, mas por cima. O Chile que se entenda com os seus.
Ou então, o que falar dos xingamentos, das palavras chulas dirigidas a Presidente do próprio país? Em que pese a contrariedade política ou ideológica, é absolutamente reprovável a atitude agressiva e destemperada que foi, inclusive, transmitida para o resto do mundo. Como se ofender resolvesse a situação ao arrepio do voto consignado. É nas urnas que se demonstra insatisfação com efeito prático. Mandar “tomar no cu” apenas expôs como anda requintado o exercício de nossa cidadania. Imagino o que pensou a imprensa estrangeira ao escutar os polidos “elogios” dirigidos às tribunas. Devem ter pensado também no quão irônico é vaiar quem avalizou a realização do torneio e, ao mesmo tempo, comparecer ao estádio e tomar uma "Bud by Fifa". Sim, naquela mesma "Arena" cuja construção era desnecessária e impertinente. É cristalino que esse comportamento não traduz a totalidade do povo brasileiro, mas é  indicativo de que há algo errado também conosco e não apenas com o governo.
Desde o início torci para a Alemanha e não fiz o menor esforço em esconder isso. Minha família possui inúmeras ligações afetivas com o país germânico e minha irmã e sua família lá residem faz algum tempo. Aprendi a admirar o país, sua capacidade de reconstrução. Sua organização, competência e seriedade administrativa. O apego ao cuidado com os mais velhos, traduzido em um esplêndido sistema de saúde e aposentadoria. A incrível valorização da educação acadêmica que garantiu 103 prêmios “Nobel” em sua história. E tudo isso sem deixar a simpatia e a cerveja de lado. Ademais, não me recordo de, em nenhum momento de minha vida, ter assinado quaisquer contrato de brasilidade. Tampouco optei por nascer no Brasil. Até onde sei, é permitido torcer para quem se quiser. Ou não é? 
Pois é de se ficar em dúvida tal a insânia nas redes sociais. A maioria, evidente, praticada por torcedores “bissextos”, cujo nacionalismo só dá as caras justamente quando é menos necessário, ou seja, nas eventuais competições esportivas. Eivados de patriotismo obtuso e desvairado, batem pezinho, acreditando que torcer para a seleção ou vestir a camisa da Nike os faz mais brasileiros. O pior é que, hipnotizados pela televisão, babando como bovinos a pastar, não percebem que estão sendo usados. Eles e os jogadores. Mas os jogadores ganham para isso. Muitíssimo bem. E sabem de antemão que, eliminados ou não, suas lágrimas, de alegria ou tristeza, serão rapidamente secadas pelo sol de um “resort” qualquer, em uma ilhota qualquer, com uma vista paradisíaca qualquer. Dirão que a vida segue. E segue mesmo. Só que para uns segue no ar condicionado. Digital. “Bi Zone”. Entenderam, amiguinhos? Para que brigar?
A seleção brasileira NÃO é o Brasil e a Copa não é uma guerra entre nações. É apenas um torneio de futebol. Importante em nossa cultura, admito. Mas não é sequer, fundamental. Fazem parecer que é, mas não é. Assim como não era o leque de estádios construídos com dinheiro público, em locais onde não existe demanda para suas construções. A seleção é, na verdade, um amontoado de jogadores que vive uma realidade totalmente distinta de quem está nas arquibancadas e que, esporadicamente, se reúne para uma competição ou outra. Acabado o certame, voltam ao "duro" cotidiano de seus clubes. A abissal maioria deles, em continente europeu. Não alego demérito, apenas aponto um fato.
Claro que o ambiente é minuciosamente trabalhado para o truque funcionar. A mídia, a propaganda, conspiram e batem forte. Tudo é verde a amarelo. Os apresentadores, narradores e comentaristas, desempenham bravamente seu papel, se tornando filósofos e profetas. Aliás, como deve ser bom ser comentarista esportivo para só dizer "coisas inteligentes" na TV, não é mesmo?
A cobertura é implacável, os chavões inéditos, a vitória essencial à vida. É o que vendem. Em prestações. Mas vou contar um segredo. Não é. Nem de longe. Durante toda minha vida ouvi essa cantilena. Essa mentira. Desde sempre, aqui no Brasil, se transferiu ao jogador da seleção o condão de redentor. De redentor de tudo aquilo que nunca fomos. De todos os nossos desejos e aspirações não realizadas.
Os jogadores brasileiros, ainda mais durante uma Copa, são alçados à cruz como 11 nazarenos tupiniquins. Os cravos estão nas chuteiras e não nos pulsos, mas não se engane, a missão supostamente foi dada por deus e há de ser cumprida por heróis. Para isso basta que defendam pênaltis ou que balancem as redes. É deles a obrigação de nos catapultar metafisicamente ao “paudurescente primeiromundismo”. Aquele mesmo que nunca conseguimos atingir em outras instâncias que não sejam a dos gramados. Tanto é que nossos hospitais ainda carecem de equipamentos, as escolas de material básico e, usar o transporte público, se constitui em verdadeira Via Crucis. Mas não se pode mais criticar a nossa grama. Não a grama! Agora nossos estádios usam a “Celebration”. Uma relva híbrida, importada da Austrália. Foda “bagaraio”. Um tapete. Tá pensando o que, porra?! Mas gente...sério, é tudo circo. Tudo ilusão.  
A Copa só pode ser vista como uma competição esportiva onde poucos ganham muito dinheiro e prestígio e muitos pagam por isso. Entendida a questão não há problema nenhum em se divertir. E não é que o torneio não deva acontecer. Mas fazê-lo aqui foi inoportuno e absolutamente prescindível. Por uma questão de prioridades, entendem? É de bom alvitre ressaltar que, para efeito de contraditório, não é relevante se alegar o quanto foi gasto, vez que qualquer quantia mal gasta ainda é uma quantia mal gasta. Quaisquer real que não fosse oriundo de iniciativa privada já deveria ser suficiente para obstá-la. Disse isso antes e repito agora que a anestesia passou e o dente vai voltar a doer.
O que deve ficar de tudo o que aconteceu após o vareio de bola, é a lucidez dolorosa de que nem mais os melhores no esporte bretão nós somos. Mas há um lado bom? Sim, há! Aquele que te desperta com um soco nas fuças para te dizer:"e daí?". Será que o futebol ou uma derrota esportiva deveria ser tão importante em um país que tem tanto a fazer no campo das necessidades sociais mais basilares?
O futebol brasileiro irá se recuperar da acachapante goleada que lhe fora imposta. Não se esquecerá jamais e isso é positivo de certa maneira, mas dará a volta por cima porque sua capacidade de fabricar grandes jogadores é estupenda. Tão notória e evidente que fez até os carrascos do time adversário lamentarem, incrédulos, o feito que haviam realizado. O futebol do Brasil, meus caros, está longe de ser um problema real para sua população. O que falta é entender que ele está mais longe ainda de ser a solução. Para qualquer coisa que seja. Futebol, para quem não vive dele, deve representar cerveja quente e cachorro-quente frio aos domingos. Deve abastecer o assunto na conversa com os amigos e a zoação no dia seguinte. Tristeza? Dou meia a hora a ela quando meu time perde. Depois lembro do mundo real e das contas que entrarão por baixo da porta.
E o orgulho? Orgulho?! Aquele sentimento controverso, por vezes mesquinho, e que nunca vi resolver a vida de ninguém? É esse? Bom se for para se ter orgulho, deveríamos nos focar não só no "time" alemão, não é mesmo? Que tal mirar no IDH dos caras, por exemplo? É só uma sugestão. Uma meta. Não digo que seria preciso nem chegar ao 5o lugar que possuem, mas que tal sair de 85o para uma posição melhor? Se cuida Azerbaijão, estamos na sua cola! Na grama já conseguimos. Os estádios, dizem, estão lindos. De vez em quando um viaduto cai na cabeça de um desconhecido qualquer e o mata, mas acontece, não? E o Neymar? Está sendo bem tratado? Está sem dor? Beleza!
Sendo assim, se pudesse, agradeceria ao Schweinsteiger e ao Müller pelas palavras de consolo e respeito dirigidas aos torcedores brasileiros. Mas mais útil e muito mais importante do que isso, é que aprendamos com eles - e aí me refiro ao país pelo qual jogam - sobre o planejamento espartanamente seguido, sobre o comprometimento com o desenvolvimento social da população ou sobre a obstinação na busca da excelência acadêmica.
Há algum tempo, mal conduzidos por seu “condutor”, aprenderam que era preciso começar de novo. Que os bons projetos precisam de muito esforço e levam anos para obter êxito. Abandonaram o imediatismo ignóbil, populista, em detrimento da vitória planejada, cirúrgica, mas não menos meritória. Descobriram da pior maneira que seu povo precisava mudar e abandonar antigos valores que acarretaram tragédias inapeláveis para só então construir um novo país. 
Os alemães até hoje carregam uma ponta de vergonha ou culpa por um passado que lhes assombrará para sempre tal o tamanho da catástrofe que remonta, mas sabem que a Alemanha de outrora não é a Alemanha atual, bem como os alemães de hoje não são os mesmos de antes. Perceberam e mudaram. Para muito melhor.
Assim como eles se recordam da dor sentida ao vislumbrar sua cicatriz histórica, a goleada de ontem nunca será esquecida pelos brasileiros. Mas quem sabe, com um pouco de sorte, ela sirva para nos colocar em nosso lugar e nos apontar, por via oblíqua, o que deveria ser precípuo para nosso país. Ao lembrarmos da seleção que impingiu a pancada, sempre poderemos imaginar que algo muito mais difícil foi realizado por esse mesmo oponente que, apenas por dever de ofício, nos causou tamanha humilhação esportiva.
Destarte, muito obrigado, Alemanha. Por nos lembrar que existe algo a mais do que o futebol entorpecente, por provar que o planejamento pode vencer o "jeitinho" e que uma disputa não precisa levar à submissão moral. Obrigado por nos mostrar que é só um jogo e não a honra da nação ou a comida na mesa. Por nos ensinar como nos portar na casa dos outros. Obrigado também pelo futebol de ontem. Foi bom de se ver. Mas ainda vamos nos encontrar e vocês sabem disso, já conhecem nossa força. Portanto, não chore por nós,  Alemanha. Estamos vivos. E vamos ficar bem.

"Bis bald!"

Dando a César o que é de Silva (por Hpcharles)


“As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas. Constantemente, elas dão ao irreal, a procedência sobre o que é real; são quase tão intensamente influenciadas pela mentira como pelo que é verdade. Tem uma evidente tendência a não distinguir entre as duas.”
                                                                                                                                        Sigmund Freud
 
Será que alguém aí, sem pedir ajuda ao Dr. Google, seria capaz de dizer o que possuem em comum os sobrenomes Pradaztki, Taketani e Silva? Lógico que não. A pergunta é quase retórica.
Mas e seu eu lhes disser que são heróis brasileiros. Heróis mesmo, de verdade. Daqueles que arriscaram a própria vida para salvar a de outros. E aí, lembraram? Já ouviram falar? Nada? Ninguém se arrisca? Foi o que pensei...
E se eu disser Júlio César? Fácil, né? Todo mundo sabe. Esse abençoado, agraciado pelos deuses, esse “herói”, hoje imaculado, é nome fácil na boca de todo país. Todos o conhecem, sabem o que fez e o número de sua camisa.
Júlio César não salvou ninguém. Defendeu dois pênaltis. Teoricamente, se não os houvesse defendido, ninguém morreria. Talvez um infarto fanático acometesse algum torcedor canarinho, mas fora isso, a vida seguiria. Famílias não seriam guilhotinadas pela ocorrência de uma eliminação precoce. As lágrimas que cairiam dos olhos vítreos, hipnotizados pela anestesia da maior competição do esporte bretão, se enxugariam rapidamente. Sem maiores consequências. A cerveja ainda seria bebida e o churrasco também seria comido. Não haveria tragédia nenhuma. As tvs, os jornais e boa parte da imprensa, chamaria de tragédia. Mas apenas porque ajudaria a vender mais e por concessão semântica. Pela mesma concessão, aliás, que se faz ao chamar um goleiro de herói.
Há pouco mais de 40 anos, no dia 1 de janeiro de 1974, o Brasil vivenciou uma das maiores tragédias de sua história. O Edifício Joelma foi devorado em chamas, causando a morte de 188 pessoas e ferindo outras 300. Muitos desses óbitos foram oriundos de pessoas que optaram por se jogar de alturas invencíveis a fim de não sucumbir de maneira supostamente pior. Entenderam o sentido mais apropriado da palavra tragédia? Dezenas e dezenas de seres humanos morrendo queimados ou poli-traumatizados se constitui em uma tragédia. Ser eliminado em uma competição de futebol, não. Desagradável, triste, lamentável? Talvez, para quem realmente se importa. Trágico, jamais.
E quanto ao “heroísmo”? Transposto o emprego hiperbólico e vagabundo da palavra, me digam qual o heroísmo houve em se defender duas bolas mal chutadas? Qual o real perigo existia ali para o nosso espartano de verde e amarelo? A bola possuía pontas envenenadas? Se a pelota entrasse crianças morreriam? A “honra da pátria” estaria maculada?
Pois me permitam apontar a distinção. O prédio localizado na Avenida 9 de Julho, 255, não possuía heliporto. Todas as pessoas que, desesperadas, buscaram o ponto mais alto do edifício, se depararam com uma laje e telhas de amianto. Um resgate aéreo teria que ser simplesmente inventado naquele local. Tudo pesava contra, qualquer planejamento se mostrava inconcebível. Mas para a sorte de muitos, a equipe do helicóptero UH-1H da FAB, decidiu por desafiar o improvável e consolidar uma tarefa quase suicida. Não havia margem para erros.

A aeronave pilotada pelo Major Aviador Pradatzki, pelo Tenente Aviador Taketani e pelo Sargento Silva, se embrenhou na ação que resultou no salvamento de inúmeras vidas. Algumas delas deixaram o edifício agarradas aos “esquis” da nave, como se imitassem um filme de Hollywood. Essa era a situação encontrada pelas equipes de resgate. Caos.
Esse helicóptero foi o único que teve participação “efetiva” na retirada das pessoas do teto do prédio. Entretanto, muitos outros heróis se constituíram na ocasião. Seria injusto, pelo que li, não fazer essa ressalva. Heróis paramédicos, heróis bombeiros, heróis voluntários, heróis anônimos, que naquele tenebroso dia, resolveram arriscar a própria vida para preservar a de tantos outros. Não ficaram famosos, não recebiam salários milionários para colocarem suas existências em risco e nem fizeram o que fizeram porque estava em jogo o “orgulho da nação”. Fizeram porque foi preciso. Fizeram porque se não o fizessem, gente morreria asfixiada ou carbonizada.
Escrevi todos esses parágrafos porque, francamente, me incomoda um pouco a distorção em que vivemos por conta de uma competição que possui fito de lucro financeiro e político e nada mais. Como se não bastassem as isenções fiscais concedidas a instituições bilionárias, à revelia do bom senso e das prioridades, bem como a construção, com dinheiro público, de estádios desnecessários em locais indiscutivelmente inapropriados, ainda se vulgariza, por via oblíqua, o heroísmo de tantos em nossa história, para conceder tal título a alguém que está longe de merecê-lo.
É de bom alvitre lembrar que Júlio César nada tem a ver com isso. Pelo menos não o vi abraçar a alcunha ou colocar a coroa. Mas, a bem da verdade, também não o vi rejeitá-la. Apenas o vi chorando, dizendo que passou por poucas e boas após falha em lance que resultou na eliminação do Brasil na última Copa. Ele que me desculpe, mas não me comove. Me solidarizaria se houvesse um problema de doença, ou algo impeditivo para seguir sua vida. Ao que tudo indica, não há. O que dizer então dos tantos sem moradia, muitos outros liminarmente retirados de suas residências para que se pudesse realizar um evento que está longe de ser primordial ao interesse do povo. Bom, talvez não se contarmos aí o pão e circo. Mas essa é uma discussão que mereceria um texto próprio.
E o que falar dos milhares na miséria, sem acesso a educação ou saúde decente, que vivem de salário mínimo? Esses não serão lembrados ao fim da Copa, já sabemos - e não me venham argumentar que o dinheiro gasto não seria suficiente para melhorar a tal situação ou impactar significativamente o erário público, vez que 10 reais mal gastos, continuam sendo 10 reais mal gastos.

O choro dessas pessoas não remontará a heroísmo ou virtude, mas ao enorme problema social que vivemos. Então, por obséquio, não vamos chorar junto com nosso arqueiro. Ele resta remansoso em uma concentração luxuosa, cercado de amigos e apoio. Saudável. Apto. Bem de vida – por justíssimo merecimento, diga-se de passagem – e consagrado.
Mas para quem faz questão de chorar ou encontrar heróis de verdade, basta procurar nas páginas de nossa história. Nela encontraremos professores brilhantes, cientistas e médicos revolucionários, profissionais das mais diversas áreas que, ao arrepio da própria vida, se dedicaram a de outros. Não veremos louros em suas cabeças, não serão glorificados pelas arquibancadas, não os flagraremos descendo de luxuosos carros para ir de encontro a uma multidão de microfones e holofotes, mas isso só os torna mais heróis e não menos.
Vestindo suas capas de invisibilidade, disfarçados nas salas de aula, enfurnados anônimos em laboratórios, escondidos na insalubridade de nossos hospitais, teimosos mortais produzindo riqueza para os abastados, esquecidos no quintal de nossa grande nação, se encontram nossos verdadeiros artilheiros. Apenas eles podem mudar o jogo, vencer o campeonato, perpetuando o gol salvador. Um gol sem narração inflamada, ou seguido de comentários com voz emocionada, quiçá flébil, um gol sem “tira-teima”, apenas porque não precisa.
Havia um César embaixo das traves e havia um Silva na cabine do helicóptero. Ambos tiveram sucesso no que empreenderam e foram importantes em suas tarefas. Mas apenas um é herói. Lembrem-se disso.








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