Batom, Laquê & Poesia




        Quantos anos me separam do resto do mundo?
Quantos anos eu tenho a mais do que eu?
J.G.


Meus caros, ser escritor no Brasil é, acima de qualquer coisa, tarefa para nubívagos. Para insanos, crédulos e desvairados de toda a sorte. Mas para ser poeta, é preciso ser tudo isso e ainda possuir a coragem de um espartano. Sem devaneios e denodo não se publica um livro de poemas em Pindorama. Não um que valha a pena ser lido.

O poeta é pai, mãe e parteiro. E tal como com a santíssima trindade, não há poesia sem coeficiente de metafísica. A poesia é fruto de mediunidade nas mãos, sudorese e loucura. Tal insânia porém não é clínica, é cognitiva. Daquela encardida, sentida nos capilares. É isso que move o poeta. O improvável. A expressão torta, a palavra que dobra a esquina, o neologismo alienígena. É isso que põe o rebento para fora, com cordão umbilical cortado nos dentes.

A obra de Juliana Gervason chegou hoje em minha casa e não levei mais do que uma hora para estraçalhá-la, faminto. Foi como tocou a banda. Um café, o cheiro do livro novo e a vontade. A anestesia foi ministrada pelas palavras. Assim como deveria ser.

Na celulose, a poeta transpira delicadeza, feminilidade, devoção, fé e dor. Está tudo ali, com um laço de seda em cima. Só para disfarçar, porque seus poemas ardem para depois assoprar.

Intimista, deixa aparecer de soslaio, porém de forma consistente, sua mineirice remansosa, oriunda da vida na cidade mais carioca de Minas Gerais. E por isso, mestiça, também escreve esperta, ágil, sonora.

Juliana é filósofa e não sabe. É terapeuta e desconhece. Faz tutu com pimenta e pensa que não. Nós mesmos só sentimos o gosto quando o ritmo estala em nossa língua. O sabor é processado com retardo. Não pelo cérebro que já o assimilou, mas pelo coração, onde é degustado. A digestão demora mais. Culpa do tempero. Por vezes amargo, por vezes méleo. Mas sempre genuíno.

Aliás, em minha suspeitíssima opinião, esse é o grande mérito da poesia de Gervason. Digam o que quiserem após ler, menos que não é verossímil. A escrita da poeta mineira é coalhada de marcas indeléveis, cicatrizes altas e muros transpostos. Ainda assim é universal. Para mim foi. Me vi em alguns versos e em outros a vi. Mesmo sem conhecê-la pessoalmente. É justo por ser lídima, que sua poesia nos atinge.

A técnica é linda, não nego. Mas que se dane a técnica. Às favas com preciosismos e graduações. Aqui a empunhadura é inata. O difícil, mas que lhe cabe, é domar o sentir e encaixá-lo em linhas, perpetuá-lo em tinta, colocar-lhe antolhos.

Christopher Hitchens, do alto de seu ácido humor britânico, uma vez disse: “Everybody does have a book in them, but in most cases that's where it should stay”. Em seu primeiro livro, Juliana deixa claro que esse não é seu caso. Abnóxia, tal como uma inadimplente de SERASA que não sabe porque teve seu nome inscrito, contraiu, cândida, dívida inelutável com um segundo livro. Ela que se vire, que dê o jeito dela. Que implore, roube ou peça emprestado. Mas publique.

Em um país tão carente de cultura, de educação acadêmica e que nutre um estupendo desprestígio pela literatura, Gervason nos alenta inxepugnável que, se não há luz ao fim do túnel, pelo menos poesia há de haver.

14 comentários:

  1. Nossa, nunca imaginei ler uma declaração de amor tão linda e estimulante ao mesmo tempo. Só fez aumentar ainda mas a minha curiosidade sobre a poesia de Dona Juliana. Seu nas expectativa e pelo que li, de sentir um tapa na cara e depois ser abraçado pela obra dela. Pois como Blogueira ela é maravilhosa. Ansiedade a mil. A ignorância no Brasil só aumenta, pq as pessoas não procura mas conhecer os outros e principalmente a bater de frente com a dificuldade, o mas fácil é sempre o melhor. Adorei o texto, forte abraço

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  2. Novo objetivo de vida: ter um livro de poemas meu resenhado pelo HP XD
    eta resenha linda. Parabéns, Juliana. Parabéns, HP.
    Continue nos brindando com suas melodias e palavras ;)
    AH, antes que eu me esqueça, volte com o "Poesia da Semanda" hahah sério.

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  3. Hp o sobrenome da Ju tá errado nos últimos parágrafos, tá com dois 's' e é com 1 só!
    Demais esse texto -como sempre- conseguiu multiplicar a vontade de ler o livro umas 10 vezes!!!
    Espero o dia em que sairá um livro seu Sr. Hp!!! Beijão

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  4. Não tenho palavras. Você zerou o jogo. Game over. Que venha qualquer crítica, de qualquer um. Já tenho a que me basta =)
    As que me bastam. Tati, Pati e Você. Estou mandando uma banana pra ABL ;)

    Obrigada é pouco!

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    1. É merecido. O livro é ótimo e ponto.
      Quanto à ABL, caso um dia for convidada, não se anime...pode calhar de te colocarem sentada ao lado do Paulo Coelho ou do Sarney. Aí só resta aproveitar o buffet e vazar. Medalha não conta. Ronaldinho ganhou uma "da leva Machado de Assis". Encerro por aqui. Só importam a pena e você.

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  5. Esse texto em si vem com o afeto da poesia dentro! :) Estou ansiosa para que o livro seja disponibilizado em formato eletrônico e possa chegar até aqui...

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  6. S E N S A C I O N A L. Estou emocionada com as palavras do HPCharles, sério, quase chorei, lindo! a Juliana com certeza merece, não vejo a hora do meu livro chegar, tenho que agradecer a vocês por tanto enriquecimento em literatura, aprendi a gostar de poesia, graças a Juliana e pensei: porque nunca li poesia é tão lindo, tão enriquecedor, tudo na vida tem poesia. Eu que agradeço. Beijos

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  7. Coisa mais singela meu Deus!
    Esse é o prefácio do próximo livro?
    Perfeito, puro, inspirador!!!
    Nada que não seja verdade.

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  8. Simplesmente lindas palavras, HP. Amei tudo. ♥

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  9. Não Sei O Que Mais Belo O Livro Ou A Crítica, Na Dúvida Fico Com Ambos. Parabéns HP Charles E Juliana!! ;)

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  10. Caralho!
    A cada parágrafo que eu lia você ia me ganhando.
    Humor na dose certa.
    Nem sei o que dizer UAHUSHAUHUSHAUHSU
    Sucesso, cara. Você é foda! o/

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  11. HP, muito bonito seu texto, cara !
    Senti-o como retrato fiel da leitura que fez.
    Gostei do seu vocabulário.
    Aprendi várias palavras como "nubívagos".
    Se puder ajudar-me, agradecer-lhe-ei.
    O que significa "Pindorama" na oração quarta do primeiro parágrafo?
    Tudo de bom !
    Viller (Sanag265)

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    1. É o nome que os índios davam ao Brasil, desde de sua formação, remontando os tempos até mesmo antes de Cabral. Abçs.

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