“Closing time, every
new beginning
Comes from some other beginning's end”
Semisonic
"Perder-se também é
caminho."
Estou
absolutamente convencido de que nossa missão enquanto desfrutamos desse curto
espaço de tempo que nos é concedido nesse lindo planeta azul, é aprender a
lidar com as perdas. E notem, não há qualquer ilação de transcendência contida nessa
assertiva.
Ela
é oriunda apenas de constatações empíricas, de experiências anedóticas e de leitura exaustiva. Tudo isso me fez compreender, sem dar margem a qualquer
resquício de dúvidas, que na vida não basta matar um leão por dia. É preciso
também enterrá-lo.
Não
seria absurdo dizer que desde de bem pequenos tentamos evitar ou nos preparar
para o inevitável, ou para aquilo que não existe de fato preparo. Somos
geneticamente construídos para isso. Uma pena, pois vida nada mais é do que uma
sucessão trágica e ilimitada de perdas. Perda de emprego, de relações afetivas,
de parentes amados, de saúde, de juventude.
O
processo pelo qual o ser humano lida com isso varia muito. Alguns buscam na religião uma maneira de se consolar, acreditando em algo melhor em uma
pretensa pós vida. Se fiam em reencontros no além. Perseguem a guarida de uma
existência menos dolorosa, à revelia do que se sabe de fato, sob a mão de um
pai protetor, mesmo que tirânico. Tudo para que doa menos.
Outros,
ao arrepio da própria saúde, ou do bom senso, encontram anestesia nas drogas. E
obviamente incluo o álcool e o cigarro. Alguns comem muito, ingerindo
inconscientemente, o afeto que lhes carece. Em mão oblíqua, existem os que não
comem, tentando atabalhoadamente recuperar a estima ou a aceitação que
julgam terem perdido.
Em
que pesem os fatores orgânicos que possam levar a tais comportamentos, as
perdas permanecem. São reais e sangram como um soco na boca. Partem corações,
espremem artérias, catapultam remédios para dentro do corpo, imploram por
amadurecimento. Essa é a parte que nos cabe deste latifúndio.
No
entanto, assistimos a um mundo globalizado. Tudo precisa ser célere, premente,
precoce como o pau que goza desposado do prazer mais íntimo que poderia dar ou receber, pois o negócio mesmo é ejacular. O corte
precisa fechar rápido, mesmo que a cicatriz não seja rasteira. Kübler-Ross foi barrado numa catraca cada vez mais seletiva, mas que gira com extrema velocidade.
Nesse
diapasão, o luto, ingrediente fundamental nessa equação, é defenestrado. As
pessoas pulam de uma relação para a outra como macacos em cipós. Muitas vezes
não desabafam sobre a falta que sentem de seus pais que há pouco se foram, pois há
escassez de ombros genuínos numa sociedade que pune o "ser" em detrimento do "ter". Os amigos se fazem e se desfazem em “clicks”, consignados mecanicamente
por dedos mortos em mouses vivos.
As
revistas, a propaganda, a burrice da sociedade, por outro lado, clama pela beleza eterna, pelo consumo pantagruélico,
contumaz, asnático, de tal forma que não sobre tempo para se discorrer sobre o que
importa de fato ou não. "Compre o composto protéico, anabólico, paudurescente,
hipertrófico, saradão. Tome todas as manhãs o iogurte de sorriso farto, pele
apessegada, chapinha animada, dei uma bela cagada, Louis Vuitton".
Aceitamos cartão. Pode escolher. Crioterapia, Geoterapia, Termoterapia, Massoterapia. Spa das mãos, dos pés, da alma, Botox na boca. Banho de chocolate, de vinho, banho asséptico de lâmina afiada, sabão de gordura e sangue. Corte contuso, perfurante, rejuvenescedor, máquina do tempo. Pare a gravidade, as leis da física, pare o mundo que eu quero descer.
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Melhor
isso do que aprender a envelhecer. Melhor isso do que lidar. Não há espaço para
lidar. Não há perdão para “perdedores”. Seja ganancioso, a ambição é a fronteira
final. Mas as perdas malditas, essas persistem. São irrefreáveis. Uma hora ou outra se impõem. E você tomba, tal qual a um César apunhalado, impassível diante de uma luta que foi perdida no instante em que você nasceu. Se você acha
que isso é mera filosofia, vai aprender que ela acaba no exato
momento em que você precisar atravessar a rua sozinho sob o olhar de seus
progenitores do outro lado da calçada, e perceber que tem que dobrar a
esquina sem ajuda pela primeira vez. Essa é a filosofia da vida. E ao que tudo indica, ela fede.
Existe
saída? Não. Existe aceitação, existe paz, existem refrigérios e existem momentos de felicidade. E é apenas isso?
Sim, é. Mas por que não seria suficiente? Por que não seria o bastante
buscar uma vida pródiga, real, intensa, verossímel, abundante de carinho,
livros, filmes, música e arte? Mesmo que no meio disso tudo existam degraus.
Mesmo que você caia nesses degraus. E mesmo que ao fim desses degraus, não haja
nada a não ser a lembrança da escadaria? Por que alguém haveria de querer mais?
O que é que te venderam?
O truque
está no caminho, sempre esteve. As perdas são tapas na cara desferidos pela
vida quando você acha que sabe todas as respostas. São chutes na canela, quando
você tinha a certeza de que era o pica das galáxias. Murros aplicados cirurgicamente, justo
quando você achava que estava tudo bem. Vem então a miserável da “vida” te põe uma Glock engatilhada na têmpora e muda
todas as perguntas para as quais já você tinha encontrado as respostas. É preciso
fazer o teste de novo. E de novo. E de novo.
Mas existe
uma pequena diferença aí e ela é relevante. As perguntas não são as mesmas, mas você
também não é. Você já aprendeu com as primeiras pancadas. É capaz de se levantar
sozinho. Continua doendo, mas no fundo você sabe que até a dor mais aguda um
dia passa, ou fica adormecida, criogênica. E você se dá conta de que é possível
conviver com ela e que lições foram tomadas. E que sem elas você ainda seria
aquela criança segurando a mão da mãe, sem conseguir atravessar a rua.
Só
existem duas maneiras para lidar com as perdas. Ou você as rejeita ou as abraça.
Para a primeira escolha, só existem placebos. Para a segunda, existe redenção.
É você é quem sabe. Sempre é você.
Por
pior que pareça, esse texto está longe de ser entreguista ou desanimador. Pelo
contrário. Para mim, o processo de enfrentamento das perdas, por mais
angustiante e melancólico que seja, é sempre positivo, no frigir dos ovos. Ao
fim, quando a cabeça pula para fora da água, o ar que respiro é sempre novo,
fresco, revitalizante. A perda pode ser encarada também como uma oportunidade. É o coelho na cartola.
Sim,
perderemos empregos, namoradas, parentes, amigos e por fim a saúde. Ficaremos
velhos, feios, chatos e nem aquele iogurte mágico ou o composto protéico vai mais
resolver. Mas ao nos perdemos inúmeras vezes ao longo do caminho, também nos
encontraremos incontavelmente. Faremos novos amigos, teremos novos empregos,
amaremos de novo. É verdade, jovens nunca mais seremos. Mas existem
compensações. Com o tempo descobrimos que para se matar um elefante não é
preciso coalhá-lo de balas, basta um tiro na cabeça. Teremos memórias em
profusão, ficaremos mais alertas à nossa mortalidade. A dor, outrora inimiga,
se torna companheira, vez que é inevitável. Intimorato, você a agasalha como confidente.
Destarte,
não é preciso se desesperar. Ainda que tudo pareça perdido. Ainda que a perda te leve a perder-se de si próprio. Mesmo que a porrada
seja insuportável ou que a vida lhe de sinais dê que não vale a pena pela mancheia de momentos de sofrimento que lhe imputou, isso é o modo
dela de te advertir que, talvez onde você só vislumbre “perda”, o que exista de fato é uma “oportunidade”. Para mudar, para começar de novo, para reconstruir,
para redimir. Para se despir dos conceitos ultrapassados, vislumbrar novos
prismas, estabelecer novas metas, abrir uma janela para outra paisagem, mudar
de direção.
É a
constatação cristalina e indelével de que aquele final oriundo de uma perda,
por mais trágica que ela tenha sido, é também a oportunidade para um novo começo. E
não era exatamente isso que você queria? Justo quando mais doía?
Hp, vc sempre tão preciso!
ResponderExcluirSeus textos são bálsamo!!!
Obrigada mais uma vez.
Abraço
Thanks, :).
ExcluirMais um texto perfeito. HPChales sempre nos fazendo refletir. A vida é mesmo uma sequência de perdas, mas também é cheia de momentos bons, felizes. Entretanto na maioria das vezes nem sequer enxergamos esses momentos porque ficamos remoendo as constantes perdas. Precisamos levar a vida menos a sério e viver um dia de cada vez. As dores do passado e as preocupações do futuro é o que nos torna infelizes, então vamos tentar deixar de lado.
ResponderExcluirSim, a vida é repleta de momentos bons, não há dúvidas. Como disse, o texto, apesar de ser um pouco pesado, é um convite a encarar a dor e a perda, olhando por um viés alternativo. O de que cada final, é também um novo começo. E que sem virar a página, é impossível continuar o livro. Dito isso, sempre entendi que aprendemos mais com as derrotas, com as perdas, do que com as vitórias. Vitórias são fáceis. São justamente as derrotas e suas consequências, que nos permitem levar o barco novamente para o prumo.
ExcluirHp respondeu meu comentário *-* momento emoção, rsrs. Sou fã do casal. Duas pessoas inspiradoras.
ResponderExcluirah! como eu precisava ler. um texto assim. muito bom para paarar e refletir sobre a vida.
ResponderExcluir;)
ExcluirComo assim vc está escrevendo sobre a minha vida??? rsrsr bom... foram tantas perdas, das mais doloridas, que aprendi a lidar com elas! Meio que ligo o automático e bola pra frente... Fazer o que, né? Belo texto, garoto! Bjo pra vcs!
ResponderExcluirValeu Isa, grande abç!
ExcluirÉ meu brother! A realidade é nua e crua, ainda bem que estamos preparados, ou não? Matou a pau no texto irmão, sempre lucro em dar uma espiada no blog, Abraço pro cês!!!
ResponderExcluirComo o sistema ao qual nós encontramos está nos tornado cegos. a ponto de ignorar uma reflexão tão tapa na cara como essa.
ResponderExcluirIncapacidade de lidar com perdas é campo fértil para os aproveitadores. Isso vai da mais rasteira cigana com "poderes" de ler as mãos até o mais o mais graduado político. A cura para o sofrimento humano tem preço vai de R$ 10,00 por uma caixa de analgésicos a R$10.000,00 por alguns dias num spa. As indústrias das curas da alma e do corpo são das mais lucrativas do mundo. Ninguém quer perder e aceitar que as perdas fazem parte da vida é uma capacidade desenvolvida por poucos.
ResponderExcluirNossa, muito bem mesmo. Parabéns!!! Momento reflexão agora.
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