Menos livros e mais filas, por obséquio! (por Hpcharles)


Ontem foi finalmente disponibilizada para o Brasil, uma leva dos novos modelos do Iphone. E dessa vez ele vem com algo indispensável: um leitor de impressões digitais! Que coisa, não? Agora sim! Agora valem os R$2.700,00 cobrados em cima do celular com a pior configuração na linha “S”.

Esse mesmo celular é vendido por U$199,00 nos USA, um país com uma população com um poder aquisitivo muito maior do que o nosso, dependendo é claro, do plano que você escolha nas operadoras at&t, Sprint ou Verizon. Antes que se diga que a versão desbloqueada custa U$649,00 – o que ficaria bem longe dos R$2.700,00 cobrados, contabilizando-se o câmbio – é justo aduzir que você PRECISA de um plano, seja ele qual for. Também é pertinente afirmar que o americano médio, é assoberbado de promoções frequentes, onde esse mesmo aparelho lhe é oferecido pelo preço mínimo em sua operadora. Quem conhece um pouco dos EUA, sabe disso.

Por favor, esse texto não visa questionar a questão financeira de outrem, o apego à marca em comento ou disseminar culpa (as religiões abraônicas já fazem isso por mim). O que interessa é buscar a reflexão, o raciocínio minimamente lógico que leve pessoas a gastarem por vezes o que não possuem, a se endividarem por algo que está longe de poder ser considerado precípuo, por mais que se estique o sentido da palavra "necessidade". 

A pergunta é? O que leva a se consignarem filas intermináveis, construídas espartanamente em cada lançamento anual ou semestral de uma marca ou outra, em um país com enormes desigualdades, agraciado com segurança pública digna de nações em guerra, onde o valor dos juros praticados ao mês, oriundos do crédito oferecido à população em geral, é quase o mesmo daquele oferecido ao ano em outros lugares?

Para ser justo e não tirar o meu da reta, assumo que tenho um Iphone. Minha esposa tem um Iphone. Mas vejamos exatamente o que aconteceu. Comprei meu telefone versão 5, por R$399,00, muito após o lançamento, em meu plano. É um plano bom, admito, mas que pagaria independentemente da aquisição. E não termina aí a história. Só o comprei, porque dei o meu Iphone antigo, justo para minha esposa, que teve o seu roubado. Sim, roubado. Como tantos outros que foram roubados nas ruas de nossas capitais.

Ao que parece, existem quadrilhas que se especializaram em surrupiar esses modelos. Fico pensando se a nossa malandragem não se adaptaria também à inovação de segurança proposta pela Apple e começaria a “roubar” os dedos dos proprietários do celular, a fim de facilitar o desbloqueio dos aparelhinhos. Sabe como é, né? Preguiça é foda e brasileiro é criativo. Você duvida? Pois se furtam até óculos de grau, o que seria um polegar para ganhar uns trocados a mais?

Mas como ressaltei, não é minha intenção julgar o que cada um faz com seu precioso dinheirinho. Juro. Meu objetivo é entender. Qual é o limite? O que leva uma pessoa a enfrentar desconfortáveis filas para comprar algo que estará inevitavelmente defasado e desvalorizado em poucos meses? Qual é a tara que leva um ser humano a pagar valores estratosféricos em algo cujo preço está evidentemente fora de proporção?

Não discuto a qualidade, a funcionalidade, a beleza. Bato no peito, gosto dos produtos da marca. Mas nunca me sujeitei a uma fila desse porte para ser explorado. Tenho absoluta consciência de que sou eu, como consumidor, que sustento a empresa e não o contrário.

É evidente que minhas suspeitas recaem sobre a mídia. Sobre a exaltação do consumo imbecil. Sobre a valorização do ter, da posse, da ostentação. É cristalino que isso possui relação com a alienação, com a anestesia da mente. E deixo claro, o caso do Iphone não é um fenômeno isolado. Em outros setores, e não apenas o de eletrônicos, até onde se sabe, se verifica o mesmo comportamento e o mesmo resultado. É a nossa sociedade que está uma merda? Tostines vende mais por que é fresquinho, ou é fresquinho por que vende mais?

Por aqui já vi pessoas pagarem preços em jantares que, em restaurantes na Europa, alemães, britânicos e franceses, jamais pagariam. Em Pindorama, assisti brasileiros comprarem carros caríssimos (para rodarem em estradas em frangalhos), por valores que fariam americanos deixarem a concessionária no mesmo momento.  O que leva a isso?

A discussão é enorme. “Quem faz isso é porque está mamando nas tetas do governo”. Será? Todos eles? “Quem faz isso é porque é rico”. Mesmo? Todos nas filas dos shoppings são ricos ou vilipendiadores do dinheiro público? Ou seria apenas a mentalidade que está enviesada? Ou quem sabe então, seja simplesmente a mania vagabunda de "se pagar e se dar status ao que não vale", que se institucionalizou nesse país? Digam vocês.

O Playstation 4 será lançado no Brasil em pouco tempo a valores surreais: R$4000,00. Seu preço de lançamento nos EUA, será de U$400,00. Fizeram as contas? Pois é. Alguém apostaria que não haverá procura? O que acham?

Se tivesse uma arma apontada para minha cabeça e fosse compelido a escolher um motivo que justificasse tudo isso, diria a mesma coisa de sempre. Ausência de investimento na educação. Mas me refiro a educação de forma “lato sensu”. Aquela que abarca o incentivo e a propagação da leitura, passando pela valorização acadêmica e pela conscientização de valores que não sejam os financeiros acima de tudo e de todos. Existem outros fatores? Lógico que existem. Mas em minha opinião, a crase sanguínea ainda é a desinformação agregada a uma mentalidade formada por anos de descompromisso com a educação e voltada para a construção sistemática e proposital de apedeutas.

A partir do momento em que a escola e a cultura recuperem a sua estima, os valores morais se desagreguem dos materiais, não teremos mais tais discrepâncias. Esse produtos, a esses preços, irão encalhar. No instante em que essa mesma população perceber que essa conta só lhe é atochada reto adentro, porque é aceita e abraçada, e então parar de avalizar esses absurdos, os preços caem. Terão de cair. Nenhuma empresa fabrica para não vender. É de meridiana clareza que o brasileiro criou o hábito de pagar caro. Os tributos são altíssimos e injustos face aos serviços de merda que recebemos em troca? Ninguém discute. Mas e a margem de lucros dessas empresas aqui? São as mesmas praticadas lá fora. Duvide-ó-dó!

Enquanto isso, segundo pesquisa da Instituição Pró-Livro, o brasileiro lê uma média de 4 livros ao ano e essa média cai para 1,3 se levarmos em consideração o que é lido por obrigação acadêmica. De cada 4 livros lidos no Brasil, 2 não são finalizados. E na Europa? Bom, na Europa a média é de 8 a 10 livros por ano.

E no que tange ao conteúdo, como fica? Aqui o livro mais lido, segundo as pesquisas, é a Bíblia. E duvido que seja lida inteira. Me parece que essa leitura fique restrita aos versículos indicados pelos padres e pastores. Mas isso é opinião minha, com base no que observo.

Entre os autores mais lidos e vendidos entre 2010-2011, o best-seller foi o livro do Padre Marcelo, estreando à frente de Manoel Bandeira e Clarice Lispector. Silas Malafaia aparece à frente de Pedro Bandeira. Ó Aleluia! Só G-zuis mesmo!

Entre os mais admirados, disputam a segunda posição cabeça a cabeça, Machado de Assis e Paulo Coelho. É, confesso que a disputa é complicada. Deixa eu colocar uma bala no tambor do 38. Um minutinho só....

Os 3 livros mais marcantes da vida das pessoas por aqui, segundo essa mesma pesquisa, são, nesta ordem: a Bíblia, A Cabana e Ágape, empurrando o Sítio do Pica Pau amarelo e Dom Casmurro para trás e seguidos ferozmente por nada menos do que “Crépusculo”. Será que saltar do vão da Ponte Rio-Niterói mata com boa margem de certeza?

E quanto aos livros digitais? Como estamos? Bem na fita? Parece que não. 82% nunca os leu e 70% sequer ouviu falar em e-books. E quanto à data de lançamento das parafernálias eletrônicas com data de validade cada vez menor? Quantos serão que estão com o dia na ponta da língua? Pois é, meus caros...a rapadura é doce mas não é mole.

Eu fiquei elocubrando cá com meus botões e talvez nem tudo esteja perdido. Talvez isso tudo seja um erro de interpretação. Pensem bem, o brasileiro atura filas infinitas nos bancos (mesmo que o lucro dos bancos no Brasil seja um dos maiores de todo o planeta), enfrenta filas no supermercado, no cinema, nos shoppings, nos estacionamentos, nas repartições públicas e em quase todas as áreas e momentos de sua vida e cotidiano. Será que alguém brilhante, um gênio qualquer, descobriu que o negócio do Brasil é a fila em si? Sim, o apego pela fila? Será que o tesão é esse? Ficar na fila? Aí faria algum sentido, por mais estúpido que fosse.

Será que se artificialmente simularem uma fila, mesmo que seja para comprar uma mariola a R$50,00, dizendo é claro que ela é especial, feita por uma marca pica das galáxias, com sabor de “quero mais” e embalagem de celofane manuseado por um anão, manco, cego e que as embrulha com a boca, agregando assim valor e exclusividade, já que o número é limitado, não haveria briga pela especiaria? Senha e o escambau até para entrar na fila?

Porra, é isso! O negócio, a grande sacada, é ficar na fila! Só pode. E para gastar dinheiro, o que é o máximo, não é mesmo?! Sensacional! O produto é apenas a azeitona da empada. A questão é esperar horas em pé, mesmo que se pague um valor surreal por algo que será superado já no próximo semestre. Esses brasileiros são demais! Podemos ter uma desigualdade social estupenda, salários sofríveis, educação capenga, saúde claudicante, justiça paralítica e segurança pública risível, mas em uma coisa não deixamos a desejar a ninguém: AS FILAS!


Ah, e só uma última coisinha. A foto acima, ao contrário das outras no post, não é de gente aguardando a abertura da loja para comprar o Iphone novo. É apenas a fila para o lançamento do livro do Bispo Edir Macedo. E ainda dizem que não se lê no Brasil.

É ou não é para se orgulhar?!

19 comentários:

  1. Maravilha, o que se escreve e a forma de como escrever. HP VC É DEZ!

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  2. kkkkk É pra se orgulhar mesmo com um Brasil desse, mas já perdi as esperanças, acho que não tem mais jeito não, isso só mudaria se as pessoas começassem a usar o cérebro, e não é isso que tá acontecendo ultimamente. No entanto, a tendência é só piorar HP, infelizmente. Às vezes sinto vergonha alheia.

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  3. Muito bom! Que fique a reflexão então...

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  4. Meu sonho: conseguir escrever assim, conseguir construir uma argumentação tão forte. Excelente texto!

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  5. Você escreve bem demais. Sempre fico anciosa imaginando qual será o assunto do próximo post. Parabéns!

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  6. Ah, eu como professora vivo na carne as amarguras que HPCharles escreveu aí no texto, e sonho e espero que esse panorama mude; apenas não me iludo, qualquer mudança será sentida há muito longo prazo.
    Essa cultura do ter está entranhada nas escolas desde as séries iniciais onde professores, funcionários, diretoras valorizam e acariciam mais aquela criança com a mochila mais moderna em detrimento àquela que ganhou uma bolsinha simples do poder público, e por aí vai.
    E estes adultos nem percebem que são as vítimas dessa cultura que faz do Brasil o grande negócio das grandes empresas, multinacionais, estatais, governamentais; que são eles os bonequinhos manipulados a manipularem os 'abaixo' deles, perpetuando essa situação.
    Enfim, o que tenho a fazer é parabenizar o autor do texto e torcer, torcer muito para que algum dia essa cultura mude.

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  7. Fila interminável para garantir um livro do queridíssimo Edir Macedo? Foi bom te conhecer irmão! Bora me atirar da ponte do Guaiba, depois desta informação, a morte é a grande sacada, Abraço!!!!!

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  8. Que ideia genial, HP! Eu nunca tinha percebido, mas parece que o brasileiro realmente é apaixonado por filas...

    Acho até que alguns entram na fila sem nem saber qual o produto que encontrarão e depois compram só por terem ficado esperando. Ninguém passa horas em pé por um livro do Edir Macedo, né?
    Se o "Brazil" chegou nesse ponto, só resta apertar o "reset" e começar isso aqui de novo.

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  9. E o fenomeno "aonde a vaca vai o boi vai atras". Tem ate uma linha de pesquisa na psicologia que o estuda. Nao com esse nome, claro. Em um estudo fizeram isso que voce propos: criaram uma fila para nada. Resultado: a fila so foi aumentando.

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  10. Já faz tempo que aprendi a não ver o povo como coitadinho. Cada povo tem o sistema que merece e que aceita. Ficar na fila quilométrica para comprar um telefone de quase R$ 3.000,00 só tem um objetivo: agregar estatus. Expressão que se tornou o carimbo da ostentação em toda a sua burrice depois da lastimável aparição do tal Rei do Camarote. Tudo que o brasileiro médio pretende com esse telefone é se passar por brasileiro Alto. Parecer bem sucedido, postar nas redes sociais sua nova aquisição para que os "amigos" fiquem com inveja e percebam como são inferiores diante do "amigo" tão bem sucedido que tem até o novo iphone. Por fim, pessoas vazias de conteúdo necessitam desesperadamente de estarem cheias de coisas, pois coisas, nesta sociedade, são passaportes para se ser aceito nos grupos tão vazios quanto. Ótimo texto como sempre, TLT.

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  11. Sou sempre a favor da leitura, e muito contra censura... porém ler livros como o do safado citado no seu texto e outras coisas como capricho, é o mesmo que assistir a TV aberta hoje em dia. Não agregam nada, geram desinformação ao invés de educar, mas gostaria de lhe perguntar uma coisa HP, qual sua posição em relação a sermos tolerantes com os que são intolerantes? Abraços

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  12. Perfeito!!! E quanto a leitura li esta matéria hoje
    http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,bibliotecas-publicas-a-espera-de-leitores,1079988,0.htm.
    Quanta decadência...seu texto, como sempre, excelente!!! Parabéns!

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  13. No valor de 2700, 1000 com certeza é da dirlminha, afinal alguém tem que pagar as viagens, os deputados que são muitos importantes para o Brasil, sem falar nas cuecas que não podem ficar sem dinheiro.
    Parabéns pelo texto.

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  14. adorei! vc virou tipo... um herói! rsrs

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  15. Olá! HP você é d+, fala tudo o que é necessário e com uma linguagem totalmente única.
    Muito bom mesmo.

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  16. Não estou defendendo o preço, muito menos a marca. No entanto é preciso ficar atento a seguinte especificação: a biometria do iPhone 5S é incrivelmente precisa e só funciona com dedo vivo. Em resumo, de nada irá adiantar um dedo morto, no caso, cortado do dono. Macabro, não?
    Gostei do texto.

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  17. HP... Direto ao ponto, ao cerne. Na raiz. Lembrei uma música. De 1989 do LP Brasil do Ratos de Porão - "Crianças sem Futuro". Lembrei de muitas outras músicas e até de CD´s inteiros. Que poderiam ser trilha sonora do seu texto. Ele é muito rico, forte e direto aos vários pontos e problemas. Eu tenho o hábito de fazer analogias com musica. O texto é visceral, mas altamente informativo e embasado. Excelente e parabéns.

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