A
verdade é que quando os caras querem fazer bem feito, eles fazem. Mas tem que querer.
De verdade. Sorte é importante, lógico. Mas se você não quer contar com o acaso, escolha o Mads Mikkelsen como protagonista. Pronto. Agora pode dormir tranquilo.
Some
a isso um puta personagem. Um psicanalista brilhante que também é um canibal.
Um requintado e sofisticado psicopata, mais mau do que PM que curte dar tiro
em placa de estrada. Hannibal é tudo isso e muito mais. Consegue causar repulsa
e admiração. Odeia o trivial, o indelicado, o raso.
A
série começou de forma estupenda. Os diálogos são consistentes, o texto bem acima
da média, diria até complexo. Os episódios são bem definidos, a direção concisa
e sem excessos, os figurinos corretos.
O
elenco de suporte ajuda bastante. Não há uma discrepância abissal de qualidade entre
um ator e outro. Hugh Dancy que, em teoria, dividiria as atenções com o Mads –
digo em teoria porque qualquer um do lado do Mads fica meio que apagado – está
surpreendentemente bem. Pode ser que seja uma surpresa para mim e não para
outros, vez que fiquei com uma má impressão enorme depois de ver aquele demônio
de filme, “The Jane Austen Book Club”. Aquilo me fez pensar em me suicidar de
algum jeito medieval. Mas quem gostou me perdoe. Sou menino. Para mim, aquilo é
demais. Há que se desenhar uma linha na areia em algum momento.
Sendo
assim, Hugh expõe um atormentado e solitário Agente Will Graham. O mesmo personagem
vivido, evidentemente, pelo ótimo Edward Norton em Red Dragon e por Willian
Petersen em Manhunter. A série também é uma adaptação do livro de Thomas
Harris (Red Dragon) e sua cronologia segue a mesma do filme de 2002, mas com um
início ainda anterior. Na série, podemos apreciar, não se sabe por quanto
tempo, a relação, quase de amizade, entre o canibal e o agente de imaginação
apurada.

Mas
ele paga um preço por isso. Ver os crimes pela ótica do psicopata tem um custo.
E é alto. Gera angústia, medo e acima de tudo lhe traz dúvidas sobre seu
caráter. Isso é muito interessante e ajuda a compor um clima quase opressivo ao
longo da série.
Completam
o time o veterano e competente Laurence Fishburne, como Jack Crowford,
responsável por toda a investigação junto ao FBI (vocês lembrarão mais do personagem em o
Silêncio dos Inocentes) e a bonitinha Caroline Dhavernas, que apesar de já
possuir uma longa carreira, não me traz à baila nenhum papel relevante. Cumpre
ressaltar no entanto, que entrega bem seu personagem, vivendo também uma
psicanalista cuja única função até agora, é a de segurar a barra do atormentado
Will. E como se não bastasse, vou dar um pequeno spoiler, mas quem vai aparecer na área é a Gillian Anderson. Fuck, a Scully em Hannibal!? Dá para ficar melhor?
O
seriado é redondo e cativante. As cenas dos crimes são estruturadas, longe
de serem banais, o que já é muito mais do que vemos na maioria das séries de
hoje. Os episódios também são coalhados de referências e discursos
psicanalíticos, o que para mim é o “icing on the cake”. As conversas entre o
sádico psicanalista e o agente, se mostram aguçadas e pertinentes. Os elementos
simbólicos permeiam a narrativa e enfeitam boa parte das cenas.
A
comida é tratada com reverência por Lecter e nunca se sabe ao certo se o que é
servido é carne humana ou não. Isso causa algum embrulho em quem assiste, com
certeza. Em uma cena do segundo episódio, Hannibal janta com Jack Crawford e, um
espectador mais atento, notaria o molho frugal e avermelhado colocado
delicadamente sobre a carne servida. A analogia com sangue é indisfarçável. A
comida para Lecter é, sobretudo, uma maneira dele se expressar em todas as suas
nuances, de esposar sua dicotomia entre o ultra civilizado e o selvagem. É justo no momento em que come, que o canibal abaixa a sua máscara. No caso de Lecter, o mais apropriado seria dizer que é a hora em que a veste.
É
uma série imperdível, por enquanto. A face robótica de Mikkelsen emoldura o
distinto antropófago, o tornando indubitavelmente, o legítimo sucessor do genial
Hopkins. A escolha do ator principal atingiu a mosca e isso contribui para tudo funcionar ao redor da produção. Você sente quando encaixa. Quando dá liga.
Bora
ver Hannibal, é o que tenho a dizer. Vejo séries faz muitos anos e poucas vezes
fiquei tão ansioso por um próximo episódio. Poucas vezes fiquei tão curioso
para saber como e quando um carismático vilão, em toda a sua magnitude, virá à
tona. Me pergunto ansioso ao final dos episódios: quando é que aquela tenebrosa máscara será vestida? Como ficará no semblante pétreo de Mikkelsen?
Só
sei que ao ver o magnífico trabalho de Mads ao encarnar o cara mau da história, me lembrei do patético e caricato verdugo de The Following. Naquele momento, por um segundo, me permiti misturar ficção com realidade, e me deu uma incontrolável vontade de
enviar o endereço do James Purefoy para ele. Afinal, Lecter já comeu (literalmente) um flautista de uma orquestra, apenas porque tocava mal e
atrapalhava o seu deleite musical. Com sorte ele devora os rins do Joe Carrol e
acaba de vez com aquela bosta que é “The Following”.
Não?!?! Ué, deixa o cara escolher, pôxa!
Não?!?! Ué, deixa o cara escolher, pôxa!