Escola, Leitura, Afeto e Paternidade (por Hpcharles)


“A César o que é de César”. Essa frase saiu direto dos evangelhos sinóticos para a boca do povo e, hoje em dia, possui o sentido de que cada um possui a sua competência, ou mérito ou pertinência intransferível em relação a um fato ou situação. Se preferirem(eu mesmo não prefiro), “cada um em seu quadrado”, como insiste em repetir o refrão da música asnática.

Mas ao que tudo indica, se existe um lugar onde tal assertiva não parece encontrar guarida hodiernamente, é na relação escola/paternidade. Sendo filho de professores dedicados, desde cedo sempre escutei de meus pais, reclamações oriundas do comportamento de alunos e jovens em sala de aula e dependências dos colégios.

Eu mesmo, aluno na ocasião, fazia ouvidos moucos a tais conversas. Não me interessavam. Eu jogava no time adversário e tampouco as compreendia completamente.

Era um tal de “Fulano não sabe se comportar, Sicrano não demostra o menor interesse, Beltrano não lê um livro que seja”. Pessoalmente, nunca tive problemas disciplinares, fora raras idas `a coordenação,  para explicar o inexplicável. Coisas como briguinhas juvenis no “recreio” ou atrasos inocentes para o início das aulas, por conta do futebol no intervalo.

Fiz minhas “capetices” confesso, mas não me recordo de ter sido desrespeitoso com um professor. Nunca gritei ou ameacei algum mestre. Aí de mim se o fizesse. Sabia muito bem os meus limites e meu lugar como estudante. Mas tal limite veio de minha casa para dentro da escola, e não o contrário.

Parece que os papéis andam se invertendo. Cada vez mais, ouço depoimentos inflamados de jovens professores que demonstram, sem sombra de dúvidas, que a coisa tem piorado. De meus pais nem escuto mais as supracitadas considerações. Aos 70, acho que chegaram em seus limites. Desistiram de tentar extrapolar suas lindes e fazer o que alguns pais em suas omissões não fizeram.

Faço uma ressalva a um incidente ocorrido faz duas semanas, onde ouvi meu pai comentar com minha mãe que, durante uma aula dada em turma de ensino médio, certo aluno teria, propositalmente, soltado flatulências de forma alta e anedótica, gerando risos e piadinhas de outros tantos a seu redor. Notem que,  não se trata “in casu”, de uma criança de sete ou oito anos, mas de um rapaz de quase dezoito.

Talvez eu esteja sendo inocente ou seja um velho precoce, mas tal fato me causou repugnância e tristeza. Isso para mim seria algo impensável em meus piores dias de “traquinagem”. Com certeza, se desejasse fazer uma “gracinha”, faria algo mais criativo, desposado de vulgaridade ou de escatologia.

Interferi na conversa para saber o que aconteceu com o “pequeno Nero” que promoveu a “requintada” brincadeira. Fiquei sabendo então, que o mascote do demônio era notório por tais hábitos, e que as propriedades musicais de seu cólon, eram bem conhecidas no colégio. Já havia sido inclusive chamado a uma reunião com os pais, que em síntese apertada, entenderam que o que o “filhote” fazia, não passava de uma inocente palhaçada. Aduziam que aquilo tudo era um excesso da escola em sua disciplina, que não era para tanto.

Me digam agora: o pequeno débil mental possui culpa no cartório? Cuida-se aqui  de se crucificar o aprendiz de suíno pelo comportamento de lorde inglês? Me parece que não. O problema está na manjedoura. Na mamadeira de vitamina de abacate que sempre foi dada pela babá, já que a mãe mesmo, tinha hora no cabelereiro. No direito, costuma-se dizer que a não punição de uma conduta inapropriada, se traduz em incentivo a ela própria, por via oblíqua. E não é exatamente isso o que acontece? Não é esse o “sinal dos tempos”?

Notem que, a estratégia da instituição de ensino foi perfeita. Sabedora da reincidência da fuleiragem, chamou os pais e a relatou, como se esperasse, de quem de direito, uma postura que coibisse o infeliz comportamento, já que educação é atribuição da família e não da escola.

Professores, diretores, profissionais ensino, NÃO SUBSTITUEM os pais. Não estão ali para isso, não possuem o dever e nem a competência para tal. Mas pelo visto, parece que tem gente que crê que, quando paga uma mensalidade, se exime automaticamente do pátrio poder, da responsabilidade natural do progenitor. Tem pai que é “miguxo” do filho. É camarada, parceiro. Tem alguns que até se esquecem que possuem idades distintas. Pois deveriam lembrar antes de tudo, que pai tem que ser pai.

Se não queriam ter trabalho, dizer “não”, cobrar atitude, estabelecer limites, que então não embarcassem na jornada. Tal viagem só tem passagem de ida. É preciso que se entenda que ter filho não é para todos. Isso é um fato. Depois quem paga é a criança.

Cada vez mais me deparo com pais que são verdadeiros adolescentes. Crianças cuidando de crianças. “Ah, tá aporrinhando? Bota na aulinha de teatro que lá ele fica mais calmo”. “Ah, tá muito agitado? Mete o moleque no Jiu-jitsu que ele gasta toda aquela energia”. “Dá um dinheirinho para ele ir ao shopping encontrar os amiguinhos do condomínio.”

Acho ótimo, mas só isso não basta. Será que se ele enfiar o porrete em um sujeito na rua, a culpa será da academia de artes marciais também? É, a culpa é sempre do outro. Mas também se acontecer não faz mal, né? Papai tira da delegacia e depois encaminha ao psicólogo para saber o que há de errado com o menino. “Eu sabia que aquela escola (academia, amigo, professor, namorada) não era flor que se cheirasse, desencaminhou meu filho. Coitado, acho que vou dar um carro zero para ele superar o trauma.”

Parece ficção, mas não é. Isso acontece mais do que se imagina. Em um mundo louco, cada vez mais pais se locupletam de sua obrigação primária de educar e a substituem por presentes e objetos, com o intuito de sublimar suas culpas, suas ausências, suas inaptidões. Transformam crianças em adolescentes mimados, que por sua vez, se tornam adultos desinteressados, que frequentemente, como alunos, se indispõem com aqueles professores que querem dar aula de verdade. Afinal, professor bom é aquele “dá trabalhinho” para ajudar a nota, não é mesmo? Ora, vão virar uma laje!

Isso sem contar é lógico, aqueles pais que enxergam as instituições de ensino com absoluto demérito. Que chegam em pantagruélicos carros importados para buscar os filhos, mas vivem pedindo desconto em mensalidades. Será que conhecem o custo da vida acadêmica nos países de primeiro mundo? Pois é, lá se sabe o valor do estudo. Por aqui não. Lá primeiro vem a escola e só depois, o carro. Mas isso é lá, né? O que sabem eles? Por aqui nós temos a “malemolência brasileira”, a “ginga”, o “rebolado”. Somos foda! E aí de quem diga o contrário.

Claro que existem pais desidiosos em todos os lugares do mundo, mas parece que nossa educação, que já anda em frangalhos, não precisa acumular mais uma tarefa. Escola dá ensino, oferece caminhos, estabelece diretrizes, mas educação é obrigação indiscutível dos pais.

“Pôxa, meu filho nunca gostou de ler”. Sério? De que maneira ele foi incentivado? Ele via os pais lerem como hábito? Ó, “Revista Caras” enquanto faz as unhas não vale, tá? Eu sinceramente penso que algumas pessoas acreditam que cultura não tem preço e que o hábito de ler, pelo menos no princípio, não requer esforço. Isso não poderia ser mais falso.

Cultura custa caro, requer tempo e dedicação e o desenvolvimento da leitura  e da capacidade crítica, impende gradações e fases, que, obviamente, dependem do ritmo e da individualidade de cada um. Mesmo assim, é preciso empenho.

Sempre li com facilidade, mas atribuo isso ao fato de meus pais, de forma rotineira e incessante, me motivarem. Nunca fizeram restrição à forma em si. Me enchiam de gibis, revistas e jornais. Os livros vieram naturalmente na esteira desse comportamento. De Lobato a Eco, de Doyle a Nietzsche. Os gostos mudam, a concentração aumenta e com o tempo, o hábito se estabelece. Mas repito, se não houver incentivo, o que “vai  rolar” é Angry Birds e PS3 mesmo. Não me entendam mal, também gosto, mas há espaço e hora para tudo.

Digo mais: quem quer ler, lê até em pé, no ponto de ônibus. Quem quer ler se cadastra em uma biblioteca pública e aluga um livro. Quem quer ler pega emprestado, quem quer ler...lê. O resto é conversa fiada. “Ó, a pêra com leite ficou pronta, filhão! Quer que mamãe leve na cama para você não interromper as mensagens de textos com os coleguinhas?”

É basilar que, se a escola proporciona o método, o conteúdo e ajuda na forma, cumpre aos pais o mínimo: apresentar limites, traçar as linhas de comportamento social apropriado, punir quando necessário. Pagar as contas não é o bastante. Nunca foi. Pai não é banco. O que está ocorrendo é que, existem pais que não deixam os filhos na escola para que os mesmos amealhem conhecimento. O que fazem de fato, é se livrar de um fardo. Ou pior, passar o fardo para quem não deveria carregar. Mas e o “quem pariu Matheus que o embale”? Onde fica?

O resultado disso são estudantes capengas, relapsos, que vem a se tornar profissionais com diplomas de ensino médio e superior, mas que se constituem em verdadeiros analfabetos funcionais. Garanto a vocês que, mesmo em minha profissão, onde a escrita e a retórica são indispensáveis, tem muito advogado que não sabe redigir o básico e não possui vocabulário suficiente para traduzir um pensamento com exatidão. E sabem porque? Porque leram pouco. Se não se lê, não se constitui vocabulário, não se desenvolve a melhor dialética. Falta base, falta fundamento. Vou mais longe, quem não lê, sequer exerce plenamente sua cidadania, pois não entende ou conhece apropriadamente, as nuances do país em que vive, em que vota.

Claro que tem gente que vai dizer: “É, mas tivemos um presidente que não lia e mesmo assim foi presidente”. Sim e que belo exemplo, não é? Será que se lesse não poderia ter sido um presidente melhor? Digam vocês...

De fato, o que me causa perplexidade é a forma como a banda toca nos dias de hoje e como o condão da educação foi relegado a segundo plano, após o trágico fenômeno da ditadura militar. As vezes me pergunto: a quem interessa isso? Para quem seria útil uma população com baixo nível de educação acadêmica e alto nível de alienação?

É lamentável que, para uma profissão insubstituível como a de professor, o que restou consignado foram salários indignos, condições de trabalho que muitas vezes não possuem o mínimo do mínimo para se exercer o magistério e, agora como se não bastasse, ainda lhe imputam, muitas vezes, a necessidade de desempenhar o papel de pais. Qualquer dia serão cobrados por afeto também, esperem só.

Por derradeiro, lembro que o pior é que esses jovens um dia crescerão e, se isso não for mudado, o que ensinarão a seus filhos é o mesmo que aprenderam com os próprios pais. Afinal, é o que tinham para dar e a vida é pródiga na repetição de exemplos e comportamento.

Porém apesar do cenário dantesco, ainda sou otimista nessa luta, nesse bastião. Tenho que ser, pois senão faço as malas hoje. Ainda acredito que, com esforço de pais e professores na educação e no ensino respectivamente, comungados com uma politica menos estúpida e egoísta, esses jovens de hoje possam crescer o suficiente para serem bons pais e quiçá, bons leitores. Sejam pais tão bons que, no reverso da vida, ao se tornarem pais de seus pais na velhice inelutável, leiam para eles os livros que nunca foram lidos em suas infâncias, e assim, o néscio ciclo se quebre e se transforme em progresso, ao abrigo da literatura redentora, do afeto genuíno e da educação imprescindível.

Hpcharles.

9 comentários:

  1. Onde é que a gente clica pra bater palma?
    Excelente! Excelente! o/

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  2. É tudo nosso Patrícia. Rock and roll all the way...

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  3. Concordo com tudo que você diz,pois convivo com muita gente desse tipo e vivo ouvindo a desculpa que não tem tempo para ler,más tem tempo para ver Rebelde.

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    1. Ou até assistir programas de sábado e domingo a tarde na televisão...

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  4. Olá Tatiana,

    Um muito obrigado de Portugal! Só encontrei o sesu vídeo sobre filmes de Terror agora mesmo. Também tenho uns vídeos sobre filmes... como temos a vantagem de falar a mesma língua, se lhe apetecer dê uma espreitadela, talvez ache interessante:

    Videos:
    http://www.youtube.com/user/Wings1962Angel?feature=mhum

    Colecção:
    http://www.invelos.com/dvdcollection.aspx/Angelheart

    O meu muito obrigado pelo seu vídeo, gostei imenso de assistir!

    Coloquei aqui o comentário, porque não sei porquê o Youtube não me está a deixar colocar lá...

    Grato,
    João

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  5. Showwwww, quanta lucidez e verdade!

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  6. Palmas, palmas e mais palmas!
    Não tenho palavras para expressar o quão glorioso achei seu post!
    Verdade. Tudo Verdade. A sociedade hoje está deturpada. As pessoas com uma criação diferente se tornam leprosos sociais diante da massa maldita e infame.

    Meus parabéns pelo post. Claro, Coeso e Glorificante.

    Beijos

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