“A César o que é de César”. Essa frase saiu direto dos evangelhos
sinóticos para a boca do povo e, hoje em dia, possui o sentido de que cada um
possui a sua competência, ou mérito ou pertinência intransferível em relação a
um fato ou situação. Se preferirem(eu mesmo não prefiro), “cada um em seu
quadrado”, como insiste em repetir o refrão da música asnática.
Mas ao que tudo indica, se existe um lugar onde tal assertiva não
parece encontrar guarida hodiernamente, é na relação escola/paternidade. Sendo
filho de professores dedicados, desde cedo sempre escutei de meus pais,
reclamações oriundas do comportamento de alunos e jovens em sala de aula e
dependências dos colégios.
Eu mesmo, aluno na ocasião, fazia ouvidos moucos a tais conversas.
Não me interessavam. Eu jogava no time adversário e tampouco as compreendia
completamente.
Era um tal de “Fulano não sabe se comportar, Sicrano não demostra o
menor interesse, Beltrano não lê um livro que seja”. Pessoalmente, nunca tive
problemas disciplinares, fora raras idas `a coordenação, para explicar o inexplicável. Coisas como
briguinhas juvenis no “recreio” ou atrasos inocentes para o início das aulas,
por conta do futebol no intervalo.
Fiz minhas “capetices” confesso, mas não me recordo de ter sido
desrespeitoso com um professor. Nunca gritei ou ameacei algum mestre. Aí de mim
se o fizesse. Sabia muito bem os meus limites e meu lugar como estudante. Mas
tal limite veio de minha casa para dentro da escola, e não o contrário.
Parece que os papéis andam se invertendo. Cada vez mais, ouço
depoimentos inflamados de jovens professores que demonstram, sem sombra de
dúvidas, que a coisa tem piorado. De meus pais nem escuto mais as supracitadas
considerações. Aos 70, acho que chegaram em seus limites. Desistiram de tentar extrapolar
suas lindes e fazer o que alguns pais em suas omissões não fizeram.
Faço uma ressalva a um incidente ocorrido faz duas semanas, onde ouvi
meu pai comentar com minha mãe que, durante uma aula dada em turma de ensino
médio, certo aluno teria, propositalmente, soltado flatulências de forma alta e
anedótica, gerando risos e piadinhas de outros tantos a seu redor. Notem
que, não se trata “in casu”, de uma
criança de sete ou oito anos, mas de um rapaz de quase dezoito.
Talvez eu esteja sendo inocente ou seja um velho precoce, mas tal
fato me causou repugnância e tristeza. Isso para mim seria algo impensável em
meus piores dias de “traquinagem”. Com certeza, se desejasse fazer uma
“gracinha”, faria algo mais criativo, desposado de vulgaridade ou de
escatologia.
Interferi na conversa para saber o que aconteceu com o “pequeno
Nero” que promoveu a “requintada” brincadeira. Fiquei sabendo então, que o mascote
do demônio era notório por tais hábitos, e que as propriedades musicais de seu
cólon, eram bem conhecidas no colégio. Já havia sido inclusive chamado a uma
reunião com os pais, que em síntese apertada, entenderam que o que o “filhote”
fazia, não passava de uma inocente palhaçada. Aduziam que aquilo tudo era um
excesso da escola em sua disciplina, que não era para tanto.
Me digam agora: o pequeno débil mental possui culpa no cartório?
Cuida-se aqui de se crucificar o
aprendiz de suíno pelo comportamento de lorde inglês? Me parece que não. O
problema está na manjedoura. Na mamadeira de vitamina de abacate que sempre foi
dada pela babá, já que a mãe mesmo, tinha hora no cabelereiro. No direito,
costuma-se dizer que a não punição de uma conduta inapropriada, se traduz em
incentivo a ela própria, por via oblíqua. E não é exatamente isso o que acontece? Não
é esse o “sinal dos tempos”?
Notem que, a estratégia da instituição de ensino foi perfeita.
Sabedora da reincidência da fuleiragem, chamou os pais e a relatou, como
se esperasse, de quem de direito, uma postura que coibisse o infeliz
comportamento, já que educação é atribuição da família e não da escola.
Professores, diretores, profissionais ensino, NÃO SUBSTITUEM os
pais. Não estão ali para isso, não possuem o dever e nem a competência para
tal. Mas pelo visto, parece que tem gente que crê que, quando paga uma
mensalidade, se exime automaticamente do pátrio poder, da responsabilidade
natural do progenitor. Tem pai que é “miguxo” do filho. É camarada, parceiro.
Tem alguns que até se esquecem que possuem idades distintas. Pois deveriam lembrar
antes de tudo, que pai tem que ser pai.
Se não queriam ter trabalho, dizer “não”, cobrar atitude,
estabelecer limites, que então não embarcassem na jornada. Tal viagem só tem
passagem de ida. É preciso que se entenda que ter filho não é para todos. Isso
é um fato. Depois quem paga é a criança.
Cada vez mais me deparo com pais que são verdadeiros adolescentes.
Crianças cuidando de crianças. “Ah, tá aporrinhando? Bota na aulinha de teatro
que lá ele fica mais calmo”. “Ah, tá muito agitado? Mete o moleque no Jiu-jitsu
que ele gasta toda aquela energia”. “Dá um dinheirinho para ele ir ao shopping
encontrar os amiguinhos do condomínio.”
Acho ótimo, mas só isso não basta. Será que se ele enfiar o porrete
em um sujeito na rua, a culpa será da academia de artes marciais também? É, a
culpa é sempre do outro. Mas também se acontecer não faz mal, né? Papai tira da
delegacia e depois encaminha ao psicólogo para saber o que há de errado com o
menino. “Eu sabia que aquela escola (academia, amigo, professor, namorada) não era
flor que se cheirasse, desencaminhou meu filho. Coitado, acho que vou dar um
carro zero para ele superar o trauma.”
Parece ficção, mas não é. Isso acontece mais do que se imagina. Em
um mundo louco, cada vez mais pais se locupletam de sua obrigação primária de
educar e a substituem por presentes e objetos, com o intuito de sublimar suas
culpas, suas ausências, suas inaptidões. Transformam crianças em adolescentes
mimados, que por sua vez, se tornam adultos desinteressados, que frequentemente,
como alunos, se indispõem com aqueles professores que querem dar aula de
verdade. Afinal, professor bom é aquele “dá trabalhinho” para ajudar a nota,
não é mesmo? Ora, vão virar uma laje!
Isso sem contar é lógico, aqueles pais que enxergam as instituições
de ensino com absoluto demérito. Que chegam em pantagruélicos carros importados
para buscar os filhos, mas vivem pedindo desconto em mensalidades. Será que
conhecem o custo da vida acadêmica nos países de primeiro mundo? Pois é, lá se
sabe o valor do estudo. Por aqui não. Lá primeiro vem a escola e só depois, o
carro. Mas isso é lá, né? O que sabem eles? Por aqui nós temos a “malemolência
brasileira”, a “ginga”, o “rebolado”. Somos foda! E aí de quem diga o
contrário.
Claro que existem pais desidiosos em todos os lugares do mundo, mas
parece que nossa educação, que já anda em frangalhos, não precisa acumular mais
uma tarefa. Escola dá ensino, oferece caminhos, estabelece diretrizes, mas
educação é obrigação indiscutível dos pais.
“Pôxa, meu filho nunca gostou de ler”. Sério? De que maneira ele foi
incentivado? Ele via os pais lerem como hábito? Ó, “Revista Caras” enquanto faz
as unhas não vale, tá? Eu sinceramente penso que algumas pessoas acreditam que
cultura não tem preço e que o hábito de ler, pelo menos no princípio, não
requer esforço. Isso não poderia ser mais falso.
Cultura custa caro, requer tempo e dedicação e o desenvolvimento da leitura e da capacidade crítica, impende gradações e
fases, que, obviamente, dependem do ritmo e da individualidade de cada um.
Mesmo assim, é preciso empenho.
Sempre li com facilidade, mas atribuo isso ao fato de meus pais, de
forma rotineira e incessante, me motivarem. Nunca fizeram restrição à forma em
si. Me enchiam de gibis, revistas e jornais. Os livros vieram naturalmente na
esteira desse comportamento. De Lobato a Eco, de Doyle a Nietzsche. Os gostos
mudam, a concentração aumenta e com o tempo, o hábito se estabelece. Mas
repito, se não houver incentivo, o que “vai
rolar” é Angry Birds e PS3 mesmo. Não me entendam mal, também gosto, mas
há espaço e hora para tudo.
Digo mais: quem quer ler, lê até em pé, no ponto de ônibus. Quem
quer ler se cadastra em uma biblioteca pública e aluga um livro. Quem quer ler
pega emprestado, quem quer ler...lê. O resto é conversa fiada. “Ó, a pêra com
leite ficou pronta, filhão! Quer que mamãe leve na cama para você não
interromper as mensagens de textos com os coleguinhas?”
É basilar que, se a escola proporciona o método, o conteúdo e ajuda
na forma, cumpre aos pais o mínimo: apresentar limites, traçar as linhas de comportamento
social apropriado, punir quando necessário. Pagar as contas não é o bastante.
Nunca foi. Pai não é banco. O que está ocorrendo é que, existem pais que não
deixam os filhos na escola para que os mesmos amealhem conhecimento. O que
fazem de fato, é se livrar de um fardo. Ou pior, passar o fardo para quem não
deveria carregar. Mas e o “quem pariu Matheus que o embale”? Onde fica?
O resultado disso são estudantes capengas, relapsos, que vem a se
tornar profissionais com diplomas de ensino médio e superior, mas que se
constituem em verdadeiros analfabetos funcionais. Garanto a vocês que, mesmo em
minha profissão, onde a escrita e a retórica são indispensáveis, tem muito
advogado que não sabe redigir o básico e não possui vocabulário suficiente para
traduzir um pensamento com exatidão. E sabem porque? Porque leram pouco. Se não
se lê, não se constitui vocabulário, não se desenvolve a melhor dialética. Falta
base, falta fundamento. Vou mais longe, quem não lê, sequer exerce plenamente
sua cidadania, pois não entende ou conhece apropriadamente, as nuances do país
em que vive, em que vota.
Claro que tem gente que vai dizer: “É, mas tivemos um presidente
que não lia e mesmo assim foi presidente”. Sim e que belo exemplo, não é? Será
que se lesse não poderia ter sido um presidente melhor? Digam vocês...
De fato, o que me causa perplexidade é a forma como a banda toca nos
dias de hoje e como o condão da educação foi relegado a segundo plano, após o
trágico fenômeno da ditadura militar. As vezes me pergunto: a quem interessa
isso? Para quem seria útil uma população com baixo nível de educação acadêmica
e alto nível de alienação?
É lamentável que, para uma profissão insubstituível como a de professor,
o que restou consignado foram salários indignos, condições de trabalho que
muitas vezes não possuem o mínimo do mínimo para se exercer o magistério e,
agora como se não bastasse, ainda lhe imputam, muitas vezes, a necessidade de
desempenhar o papel de pais. Qualquer dia serão cobrados por afeto também,
esperem só.
Por derradeiro, lembro que o pior é que esses jovens um dia
crescerão e, se isso não for mudado, o que ensinarão a seus filhos é o mesmo que
aprenderam com os próprios pais. Afinal, é o que tinham para dar e a vida é
pródiga na repetição de exemplos e comportamento.
Porém apesar do cenário dantesco, ainda sou otimista nessa luta,
nesse bastião. Tenho que ser, pois senão faço as malas hoje. Ainda acredito
que, com esforço de pais e professores na educação e no ensino respectivamente,
comungados com uma politica menos estúpida e egoísta, esses jovens de hoje
possam crescer o suficiente para serem bons pais e quiçá, bons leitores. Sejam
pais tão bons que, no reverso da vida, ao se tornarem pais de seus pais na
velhice inelutável, leiam para eles os livros que nunca foram lidos em suas
infâncias, e assim, o néscio ciclo se quebre e se transforme em progresso, ao
abrigo da literatura redentora, do afeto genuíno e da educação imprescindível.
Hpcharles.