“O mundo existe para acabar em um livro.” (Mallarmé)
“Sempre achei que o paraíso seria uma espécie de biblioteca.”
(Jorge Luís Borges)
Minha
história com Borges começa há 5 anos atrás, quando no último ano da graduação
tivemos aula de literatura fantástica com uma das melhores professoras de
literatura que já tive (Manu vai me ajudar a lembrar o nome dela), que falou de
Borges logo no primeiro dia de aula.
Eu conhecia Cortázar. Eu conhecia
Garcia Marquez. Mas nunca tinha ouvido falar de Borges.
Não me lembro exatamente qual foi
o texto trabalhado em aulas (Ruínas Circulares, talvez?), mas saí de lá
correndo pra comprar meu Ficções. E devorei o livro. E não entendi metade dele –
tive que reler logo em seguida, digerindo conto por conto. E vira-e-mexe, façco
questão de reler o Ficções. Porque ele nunca é o mesmo livro. Mas o arrepio na
nuca toda vez que me aproximo do final d´As Ruínas Circulares continua o mesmo.
O Aleph, eu comprei na mesma
época mas não tinha tido tempo/coragem pra lê-lo. Agora que o fiz, vez por
outra me pego confundindo um livro com o outro. Um conto com o outro. Um
personagem com o outro. Achei que tinha feito alguma coisa errada, que
precisava ler meu Aleph de novo, e foi o que eu fiz – li com mais calma, um
conto por dia, pensei sobre, destaquei frases que julguei importantes, e assim
que terminei a releitura, continuei com a mesma sensação. Nao teve jeito – vou, pra
sempre, confundir um livro com o outro.
Em uma entrevista fácil de
encontrar no youtube, quando perguntado sobre seus contos, Borges responde: “Não
me recordo bem dos contos porque confundo facilmente Focções com Aleph” – se até
ele os confunde, ufa, que bom.
Mas contos como A Biblioteca de
Babel e O Aleph me fizeram ter pesadelos.
Não sei se já tinha lido isso em
algum lugar, ou se Manu já tinha me dito isso em alguma de nossas conversas,
mas de alguma forma associei os contos do Borges com quadros do Escher. A
wikipedia me disse que os dois eram contemporâneos (Escher nasceu em 1898, um
ano antes de Borges, e morreu em 1972), mas Edwin Williamson que escreveu a
biografia que também acabei de ler, não disse em momento algum que os dois se
conheceram, ou que Borges conhecia/admirava sua obra.
Então que todas as vezes que
imagino as bibliotecas, os espelhos e labirintos de Borgito, ou seu aleph que
contém todo o universo, eu imagino as gravuras de Escher.
Já o livro dos seres imaginários
(escrito em colaboração com Margarita Guerrero, “namoradinha” de Borges na
época, segundo o biógrafo), é uma delícia de ser lido. Trata-se de um
bestiário, uma mini-enciclopédia de seres imaginários, com explicações breves
seguidas por trechos de textos clássicos nos quais estes seres foram citados.
Uma curiosidade que me chamou a
atenção ao ler esse livro foi a de que Borges leu CS Lewis (visto que descreve
pelo menos duas criaturas descritas pelo autor de Nárnia), mas não leu Tolkien.
Tolkien não foi citado nem em seu verbete sobre elfos – por quê será?
Em meio a confusao que eu estava
criando em torno dos contos, e misturando loucamente Ficções com O Aleph,
resolvi me valer da biblioteca do Mackenzie para fazer pesquisa sobre o autor. Encontrei
então 3 títulos, sendo eles: Borges Centenário, que traz resenhas e ensaios
sobre Borges, feitos por vários autores convidados, entre eles o Luis Fernando
Veríssimo talvez seja o nome mais conhecido. Bom, o livro traz ensaios sobre
suas poesias, seus haikais, sobre análises psicanalíticas de seus textos. Outro
livro bem simples, que recomendo a qualquer leitor iniciante de Borges, chamado
O pensamento vivo de Jorge Luís Borges traz uma miniautobiografia inventada,
frases célebres e coisas do tipo – achei divertido. E por último o Borges –
Disfarce de Autor, no qual o autor Guilherme Simões Gomes Jr. Analisa os
elemntos principais das ficções de Borges ( bibliotecas, memória, duelo,
labirinto, espelhos, etc). Devo dizer que minha situação melhorou, compreendi
melhor algumas coisas, mas em compensação, a conclusão a qual cheguei é que vou
levar uma vida pra compreender Borges como se deve. Apesar de ele mesmo dizer
que “A leitura é que dá ao texto seu caráter, é que o cria. A intenção do autor
é frequentemente superestimada”. Com isso ele quis dizer que cada leitor vai
tirar de um texto aquilo que pra si faz sentido, corresponde com seu
conhecimento de mundo, ou que o faça de interessar por um determinado assunto
abordado e o fará seguir buscando mais informações sobre aquilo, e, bem isso
pode durar pra sempre, e o processo será diferente com cada leitor.
Ainda falando sobre leitura,
Borges acreditava que não há idéias inéditas na literatura. Não inventamos
nada, tudo corresponde à memória. O autor de um texto trabalha com a memória, ou
melhor, com o esquecimento. O que me leva a pensar que autores que se baseiam
em grandes clássicos (que é o que mais se encontra por aí), estão contando com
a falta de memória dos leitores, a fim
de que não percebamos seus plágios.
Porém, Borges dizia que todos os
livros são um único livro (e que todos os homens são na verdade um só, mas
peraí, que esse assunto é mais complexo, vou tentar chegar lá). Ele achava que
os temas da literatura são escassos – o que se faz é acrescentar aqui e ali
elementos de determinada geração. Os temas se reciclam. Buscam suas origens quem
quer, quem tem coragem e paciência para ler os clássicos. O conto Pierre
Menard, autor de Quixote do Ficções fala sobre isso. Sobre um escritor que
resolveu reescrever Dom Quixote. E que todos os que decidem reciclar idéias de
outras obras na sua própria deveriam ler. E reler.
Borges acreditava na teoria do
cone da memória do Bergson – ele acreditava num cone universal da memória onde
as lembranças da humanidade descansam esperando que a geração seguinte resgate
e volte a atualizar o conteúdo da memória. Ele mesmo, muitas vezes expressou
desejo de desprender-se do conceito de autoria, como fez com seus 3 primeiros
livros, renegados.
De qualquer forma, o texto
literário é na verdade resultante das inúmeras leituras, das vivencias, da
reutilização da memória. Portanto, não se pode dizer que nenhuma obra é
totalmente original (a não ser o primeiro texto escrito da história da
humanidade...). Certo? Estou falando bobagem?
Voltando ao Borges, ele então nao
se importava com a originalidade.
Ele achava que os artifícios de
toda a literatura fantástica são apenas 4:
1 – a obra dentro da obra
2 – a contaminação da realidade
pelo sonho
3 – a viagem no tempo
4 – o duplo.
Sobre o
item 3, O Milagre Secreto conta a estória do autor condenado a morte por
heresia a quem deus concedeu 1 ano para terminar sua obra. Estando os soldados
com suas armas apontadas para ele, uma gota de suor começa a escorrer por sua bocheha – o tempo não pára no mundo
exterior, mas em sua mente, passa-se um ano. Ele relê sua obra, termina, revisa
página por página em sua mente, e ao terminar, a gota de suor cai e os soldados
atiram. Das obras que li, este é o único texto que me remeteu a viagem no tempo
(?).
Ele
achava também que existem um número determinado de metáforas na literatura,
como o tempo e o rio, o viver e o sonhar, etc, etc... ou seja, muito estranho
um autor que achava tudo em relação a literatura ser tão limitado ter criado
uma obra tão vasta, tão subjetiva e tão sem fronteiras. Estranho não é bem a
palavra – está mais para fascinante.
Sobre
isso, Bella Jozef em ensaio contido no Centenário, diz o seguinte:
“ A obra de Jorge Luis Borges, apesar de sua aparente
multiplicidade, conserva uma unidade primordial, as suas constantes indagações
sobre o homem, o ser, o tempo, o real e o irreal, com a plena certeza de não poder alcançar o
absoluto e conter o universo.”
Borges – Uma Vida
Depois
de ter lido este livro enorme sobre sua vida e obra (com maior foco em sua vida
privada, veja bem), passei a chamá-lo carinhosamente de Borgito. Sério. Sou
praticamente da família. O livro é muito detalhado.
Borgito
nasceu numa família rica, seus antepassados foram praticaente fundadores da
Argentina, foi educado em casa, foi pra escola algumas vezes, mas sofria
bullying. Não se formou no segundo grau, veja só você. Mas depois de conhecido
mundialmente recebeu vários diplomas de doutorados e afins em diversas
universidades mundo afora. Estou falando de Cambridge, Harvard e Sorbonne,
entendam. Enquanto Saramago que mal tinha o que comer se formou no segundo
grau, fez escola técnica e ralou pra conseguir ser reconhecido nessa vida.
Peguei uma leve bronca de Borges ao saber disso. Bem feito pra ele, nunca
ganhou o Nobel ( e o Saramago, sim, lálálá).
Borgito
nunca teve lá muita sorte com as mulheres. Se apaixonou por mulheres erradas, e
quando se apaixonou por mulheres bacanas, sua mãe, dona Leonor não aprovava.
Ah, sim, Borgito morou com a mãe. Até os setenta e poucos anos.
O livro
mostra suas brigas com Perón, seus desafetos, suas amizades (a mais notável com
o Adolfo Bioy Cesares, com quem chegou a escrever alguns livros e com quem
colaborava.). Casou-se no fim da vida com uma japonesa, 50 anos mais nova do
que ele, e tornou-se admirador da cultura oriental.
Era agnóstico ,mas nunca perdeu oportunidades de cutucar a
igreja católica, e os cristãos em geral, dizendo que todos eles são cegos,
surdos, abobados e desmemoriados. No conto Três Versões de Judas conta como na
verdade quem era o verdadeiro filho de deus era Judas.
“Os livros canônicos chineses costumam decepcionar, porque
lhes falta o caráter patético a que a Bíblia nos acostumou” (em texto sobre a
fênix chinesa, no livro dos seres imaginários).
Mas achava o budismo legal.
Dizia que escritores só fazem literatura pelas seguintes
razões:
a) Porque não se gosta da vida que se tem
b) Porque a vida não chega, porque é uma espera
que nunca se faz realidade, porque nos falta alguma coisa e não sabemos o que
é.
Em sua obra, a realidade é dúbia e incerta, o universo é uma
unidade n qual a individualidade é ilusão.
E o principal objetivo de vida de Borgito foi confundir as
fronteiras entre realidade e sonho, entre realidade e ficção. E o fez bem.
Nossa adorei!!
ResponderExcluirQuero muito ler algo dele...
beijo
Atta girl!!!!!
ResponderExcluirNossa, agora sim alguém me convenceu de ler Borges o mais rápido possível... *-* já esbarrei por ele muitas vezes, mas confesso que sempre pensei "ah, um dia eu leio", e ele foi ficando esquecido :x
ResponderExcluirconsidero esse, o seu melhor post. bem escrito, emocionante, verdadeiro e esclarecedor. fora que sua reverência ao autor é notória mas não é invasiva no exercício - crítico - da obra dele. tô apaixonada por um autor que eu nunca li e acho que não serei a única, parabéns querida.
ResponderExcluirah! e adorei a interpretação pessoal da obra de jorge luis borges com as pinturas de esher, eu, particularmente, gosto muito quando descubro uma coisa através de outra. adorei, adorei.
- aliny miguel
Acho interessante no Borges o quanto ele se dununcia enquanto leitor das grandes obras, fazendo inúmeras citações, explorando a metáfora dos livros dentro dos livros e seu apreço por jogos mentais.
ResponderExcluirHá um livro ótimo do Veríssimo pra quem é fã de Borges e do Poe, "Borges e os orangotangos
eternos". É uma bela homenagem.
Que bom que gostou da caixinha! Aquela agenda não é uma coisa louca?
Beijão!
Oi, Tatiana! Nossa, legal esse post sobre Borges.A verdade é que eu vejo referências a Borges desde acho que o ensino médio e acho que uma vez cheguei a pegar O Aleph pra ler, mas talvez nao era o momento, entao deixei pra lá, pra outra hora, e essa hora nunca chegou. Mas eu lembro que em determinado pedaço ele falou alguma coisa sobre a mortalidade/imortalidade que eu até anotei num caderninho.
ResponderExcluirBem, sobre memória e esquecimento, há um texto do Antonio Mitre em O Dilema do Centauro que parte justamente de um conto do Borges, mas ele passa a fazer uma discussão da teoria da história. Aliás, se você se interessa pelo pensamento latino-americano, recomendo muito esse livro do Mitre, todo com textos sobre o assunto e discutindo vários textos importantes para a América Latina (pega Rodó, Arguedas - o Alcides, não o José Maria -, Sarmiento...).
Enfim, fiquei animadíssima com o Borges, já corri aqui pra procurar online. Literatura latino-americana é muito sensacional, mas eu preciso passar do Gabriel García Márquez, que eu leio e releio desde meus 12 anos!!! Hahahah!
Olivia
Adorei o post!
ResponderExcluirFiquei com vontadona de ler Borges... rs
=)
Eu adoro Escher por causa do conteúdo matemático de suas gravuras (amo o plano hiperbólico dele com os morceguinhos que foi inspirado no plano de poincaré :D)
ResponderExcluirMas não fiquei com vontade de ler Borges não... talvez eu resolva ler algum dia :P prometo q tento achar escher :P
Tati estou apaixonado por você!!!
ResponderExcluirMeu Deus como pode ler tantos livros em tão pouco tempo. Assistir ao filme Fahrenheit 451 na emissora Cultura, achei formidável. No entanto resolvi pesquisar na internet e me deparei com os seus comentários sobre.
Estou precisando de pessoas assim para tomar gosto da leitura e de filmes. Ah, o apaixonado é verdadeiro adoro pessoas inteligentes, pois são oposto de mim. Bjos!!!
Muito legal, Tati.
ResponderExcluirEstou lendo os livros de poesia dele e estou gostando muito. Recomendo demais!
bjs
Estou fascinado pelo Borgito. Cheguei a humilde conclusão que todos precisam ler algo desse homem. A profundidade que ele traz nas produções, diante das ínfimas coisas que li, nos leva a nos vermos em labirintos e espelhos, e porque não darmos um beliscão em nós.
ResponderExcluirA única coisa que eu li de Borges até agora foi história universal da infâmia e acho que é o único livro dele que não pode caracterizar o jeito de escrever dele, vc já leu Tati?
ResponderExcluirTem horas que eu me sentia vendo um filme do Tarantino e as histórias sempre acabam de forma diferente do que eu esperava, uma surpresa atrás da outra...rs
Beijo
E talvez nem o conteúdo do primeiro texto escrito da humanidade tenha sido 100% inédito, talvez o seu maior ineditismo seja apenas em relação à forma escrita porque muito provavelmente as ideias nele veiculadas foram inspiradas em ideias que já vinham sendo oralmente transmitidas antes.
ResponderExcluirExcelente texto, Tati. Estou quebrando a cabeça pra ler Borges e suas dicas foram preciosas. Obrigada.
Ass. Maíra
E talvez nem o conteúdo do primeiro texto escrito da humanidade tenha sido 100% inédito, talvez o seu maior ineditismo seja apenas em relação à forma escrita porque muito provavelmente as ideias nele veiculadas foram inspiradas em ideias que já vinham sendo oralmente transmitidas antes.
ResponderExcluirExcelente texto, Tati. Estou quebrando a cabeça pra ler Borges e suas dicas foram preciosas. Obrigada.
Ah Borges! Que desafio pra mente! Hoje lembre de um dos seus vídeos sobre Borges e o cone de Bergson, falávamos sobre plágio e direitos autorais. Tati, um pedido de coração, mais vídeos Borges pra gente! Um pedido do coração!
ResponderExcluirConheço seus vídeos do you tube, mas nunca havia visitado o seu blog. Comecei a estudar o Borges nesse semestre no curso de letras e teus comentários são muito coerentes com tudo o que já estudei até agora. Com certeza me acrescentou muito. Tu é inspiradora Tati, obrigada.
ResponderExcluir