Faz muito tempo que não durmo bem por causa de um filme. Talvez isso
tenha acontecido a última vez em minha adolescência, então conte muitos anos
daí. Vi Martyrs do Pascal Laugier semana passada e não me afetou tanto. E quem
conhece a película, sabe que não é um filme exatamente fácil de se ver até o
final.
A mais recente obra do diretor Xavier Gens foi responsável pelo
estrago. Tá bom que ele já tinha avisado ao que veio no francês, “Frontier(s)”.
Depois flertou com o mainstream no apenas razoável “Hitman” e agora jogou um
míssil nuclear bem em cima do nosso edredom.
O jovem diretor parece que gosta de causar sensações desagradáveis
em quem assiste seus filmes e...damn it, ele consegue, viu? Em “The Divide”,
ele mostra que em suas estórias apocalípticas, não existem patrocinadores,
suítes de luxo ou esperança. O que se reserva é imundice, racionamento e
humanos em seu estado mais primitivo. Então corre até a cozinha e veja se tem
estoque nas prateleiras para alguns dias, pois o “bagulho é sério”.
Para o que se propõe, o filme atinge na mosca. Dá o recado com
extrema competência. Lembrem que o objetivo é esse mesmo. É agulhada entre a
unha e o dedo. Quem não gosta, por favor saiba que a porta é a serventia da
casa, mas cuidado, porque lá fora o cenário não é bonito e o clima é péssimo,
então tratem de usar roupas apropriadas...para radiação.
A brincadeira começa quando um holocausto nuclear é despejado em uma
cidade qualquer, obrigando um grupo de pessoas qualquer a buscar abrigo no
subterrâneo de um prédio qualquer. Não se explica o porquê, não se diz quem
foi, não se oferecem pistas.
Para Gens isso não importa. Ele só se interessa em como as pessoas
reagiriam em um ambiente fechado, caótico, com recursos limitados, sem respostas,
sem horizontes, sem cabelo.
E para entregar esse climão, o cara não pede “s’il vous plaît”. Já
chega dando tapa na orelha e perguntando “se tá com nojinho”. É tempo ruim o
tempo todo. É criança sendo levada da mãe, corpos sendo destrinchados na base do machado,
sexo “doggy style”, sangue cuspido na pia.
Rock`d roll sem música. Tudo na base do urânio enriquecido e do feijão enlatado.
É claro que não podia faltar a mocinha. A fofolete de Hostel 2, Lauren German, deve ter jurado que as coisas não podiam piorar mais para ela do
que quando visitou aquele clube de sádicos na Europa Oriental. Se fodeu,
porque em “The Divide” nem quadrado ela via o sol nascer.
O namoradinho da Rory Gilmore, o nosso querido Milo Ventimiglia, que
para esse papel deve ter feito oficina com a Suzanne Hitchofen, aprendeu que,
na arapuca em que se meteu, sem seus poderes de mutante meia boca que lhes
foram emprestados em “Heroes”, não dá nem para saída. É rapaziada, vai uma
máquina dois aí?
A sensação claustrofóbica comungada com a falta de informações do
mundo exterior e o pior, a ausência de luz no fim do túnel, incomoda o
espectador mais que coceira nas costas. Não pensem no filme com uma obra de
arte, em nenhum momento Xavier mira nisso. O que ele quer mesmo é deixar um
gosto de corrimão na sua boca. É poeira e leucemia no ar.
A iluminação, ou a falta dela, ajudam a criar a tensão. Os diálogos
são agressivos, os personagens com pouco ou nenhum escrúpulo. A parada é
sobreviver e a porrada come mesmo, “mermão”.
Um moralzinho para a Rosana Arquette, mais louca do que o terrorista
de Realengo, dando mais que chuchu na serra, e para o Michael Biehn fazendo o
que faz melhor, ou seja, exercendo sua canastrice.
A doentia experiência antropológica apenas piora na medida em que o
tempo passa e a psicose aumenta entre os sobreviventes. Não sei porque me veio
à cabeça, em algum momento, que fazer um BBB assim poderia ser a solução para
aquela bosta nunca mais aparecer em nossos televisores. Aí Boninho, que tal a
sugestão? Quer ver o que é confinamento de verdade? Mas de verdade, mesmo?
Pergunta para o titio Gens que ele te explica.
É claro que muita gente vai dizer que o filme é mais ou menos, mas
não se pode negar: o cara fez um filme que incomoda. A sujeira, o suor, as
peladas nas cabeças, as excrescências, as torturas físicas e psicológicas, te
fazem acreditar por um momento que mesmo que você esteja no Cheque Especial,
sua vida é ótima.
E o final? Claro que não vou dar spoilers, mas achei o final
perfeito para o que se propôs o filme. Absolutamente coerente. Conciso, enxuto,
aterrorizador. Faz a cabeça dar um nó. Tipo os créditos finais entrando e
“nóis” ali, imóveis, com cara de cachorro cagando na chuva, procurando a placa
de saída, o botão para fazer o motorista parar. O futuro visto por Gens é do
tipo, “para o mundo que eu quero descer”.
O quê?! Quer final bonitinho? Ah, vai ver Lessie, vai! Aqui o
negócio é mais embaixo. The Frenchman faz um filme para quem tem estômago de aço
e mente de Chuck Norris.
Bom, vejam se quiserem, mas não digam que eu não avisei, tá? Eu
gostei “pra cacete”, mas se quiserem algo com mais assepsia, tem “Hunger Games”
no cinema. Lá tem para onde ir. Tem a Aldeia dos Vitoriosos, quitutes no
terraço e a Jennifer Lawrence sendo maquiada pelo Lenny Kravitz. Aqui não tem
porra nenhuma. Aliás me pergunto...o que será que a Katniss faria com um arco e
flecha quando saísse daquele porão?
Hpcharles
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