"Achas minhas palavras obscuras. Escuridade está nas nossas almas, não achas?" (página 67)
Eu e Ulisses
Em meados de 1997, eu era membro duma sala de bate-papo (passa tempo mais legal do final dos anos 90), da qual um dos participantes, um dos pseudo-intelectuais mais incrivelmente pedantes que já pisou a crosta, e de apelido Finnegan, vira e mexe falava de e citava James Joyce.
Eu tinha 16 anos, estava na escola de química e tinha vontade ZERO de ler James Joyce.
Já em 2005, na faculdade de tradução, um dos professores de teoria vira e mexe citava Joyce e seu Ulisses - comprei o meu exemplar (até entao o livro mais caro que já tinha comprado na vida).
Tentei começar a ler, não entrei no ritmo, entendi que aquele nao era o momento (livro tem dessas coisas, que tem o hábito de leitura sabe;), e ele ficou morando na minha mesa de cabeceira .
Minha irmã tentou lê-lo também, sem sucesso.
No final de 2010, 5 anos depois, eu, de férias, retomei meu Ulisses do início. Porém, já com aquela idéia pré-concebida de que, né, o livro é chato e longo e difícil e impossível. Ao fim das férias passei a me obrigar a ler 10 páginas por semana, sem muita atenção.
Há alguns meses atrás percebi o quão imbecil eu sou por tratar o Ulisses desse jeito. Resolvi deixar de ser besta e recomeçar, de nooovo, dessa vez tratando o Ulisses como ele merece - afinal, ele é um livro, com começo, meio e fim, contra-capa e orelhas.
Larguei todas as outras leituras em andamento e me dediquei a ler e compreender o tio Joyce com toda a limitação do meu QI.
Deu certo?
Sim, eu completei a leitura.
Compreendeu?
Dentro da minha capacidade, conhecimento de mundo, vontade de aprender sobre a Irlanda do final do século XIX, mente aberta pras partes mais descabidas, sim, a Tatiana compreendeu o livro.
Vai ler de novo?
Um dia, talvez, quem sabe, numa outra fase da vida, no original. Por que não?
Sobre o autor
James Joyce nasceu em 1882, escreveu livros muito importantes pra literatura irlandesa como os mais conhecido "O Retrato do Artista Quando Jovem" (1916), "Ulisses"(1922) e "Finnegan's Wake"(1939)
O Ulisses foi censurado na América por seu conteúdo erótico (porque, como todos sabemos, americanos nao faziam sexo na época).
Morreu em 1941 em Paris.
Era uma criatura debochada - tem muita coisa engraçada no Ulisses, diga-se. Dá pra rir com alguns diálogos. E não sao piadas nerds.
O Ulisses
Se você ficar pensando que o livro é um reconto da Odisséia, se ficar parando a cada citação de obras eruditas ou explicações artísticas sobre coisas X (o livro tá cheio), a leitura não vai andar. Tem que ter em mente (bear in mind...)que os personagens são amigos das artes, sao poliglotas, outros são estudantes universitários, sao cultos e não moravam na esquina da sua casa onde se ouve funk.
O leitor acompanha o senhor Bloom durante 18 horas do dia 16 de junho de 1904 (16 de junho é o Bloom's Day, minha gente. Os irlandeses comemoram esse dia, até hoje. Tem noção disso? Acho incrível. Aqui em São Paulo alguns bares "tipicamente irlandeses"tem suas comemorações dia 16 de junho. Marca aí na agenda e vá, nesse dia, ao Finnegan's Bar na regão da Oscar Freire, se acha que estou inventando.
Nesse dia na vida do senhor Bloom, acontece de um tudo - trabalho, andar na praia, comprar jornal, almoçar, comprar sabonetes (o senhor Bloom gosta de sabonetes cheirosos), passadinha no museu pra bater papo com os amigos, esticadinha até o bar, receber carta da amante, ir a um velório, relembrar a morte do filho pequeno, se preocupar com a filha fotógrafa que estuda fora, pulinho na maternidade onde nasce o filho dum amigo, passadinha básica pelo puteiro, descobrir que é traído pela esposa, etc, etc, etc...
Tudo isso num fluxo frenético de pensamento.
Várias coisas acontecem com Stephen Dedalus, mas o foco não é nesse personagem, que já teve um livro só pra ele (O Retrato do Artista Quando Jovem). Stephen é estudante, a vida é difícil, o senhor Bloom vê nele o filho que perdeu. Num dado momento oferece até um quarto em sua casa pro estudante morar.
Temas:
- antisemitismo (Bloom é judeu, carinhosamente chamado pelos amigos de "Jesuíta execrável". E por aí vai)
- erotização (muitas cenas num bordel, muitas olhadelas por baixo de saias de mocinhas na praia ou das que andam de bicicleta e muitas revelações picantes da Senhora Bloom
- adultério (né.)
- relações sociais e suas falsidades (momentos de trocas de narrador onde se descobre o que cada personagem realmente pensa do outro)
- a sociedade dublinense.
Conclusão
No final da leitura fiquei com a sensação de que tem muita coisa ali que eu quase entendi. Que ainda tem muita coisa ali pra revirar e descobrir.
E isso, minha gente, é incrível.
Com tanta leitura fast-food (e algumas vezes, junk food) por aí, de fácil assimilação e desafio ZERO, um livro desses não tem preço.
Declan Kibers: "Ulisses te dá de volta exatamente o esforço que você deposita nele".
É exatamente assim que eu me sinto.
;)
oie, fiquei interessada em Ler o Ulisses, gosto desse tipo de livros que faz a gente pensa na vida, ou melhor lapidar o olhar sobre a vida , gostei do post. Vou procurar o livro Ulisses pra ler . Valeu pela opinião delicada e sincera .
ResponderExcluirDeu vontade de ler, mas agora ainda não é o momento. Obrigada por compartilhar seus interesses bibliográficos que fogem do lugar comum e são tão interessantes e edificantes.
ResponderExcluirDevo dizer que encontrei seu blog por acaso e que minha vontade de ler Ulisses era abaixo de nula. Até tava falando para algum conhecido que eu nunca leria Ulisses porque não teria paciência para tanto, mas, após ler a sua resenha, senti uma vontade totalmente diferente. Agora eu quero o livro a qualquer custo, principalmente porque fala da história da Irlanda em finais do século XIX e início do XX (quero escrever uma história que abarque esse período). Mas, como vc disse, precisamos ter um tempo para ler algo tão intenso e complexo e, de fato, vou precisar esperar um pouco para adquirir meu exemplar. Talvez leia nas férias ou em uma época em que esteja menos atarefada, mas, de uma coisa eu sei: vou ler!
ResponderExcluirObrigada pela ótima resenha!
Abraços!
É... acho que para mim ainda não é o momento de ler esse livro. Talvez eu precise amadurecer mais minhas idéias, talvez eu precise ganhar um pouco mais de foco para não desistir no meio do caminho....
ResponderExcluirFiquei com MUITA vontade de ler! Eu concordo super com o que vc disse no vídeo, me cansa muito entrar nos blogs de livros e só ver resenha de YA e coisas do tipo, que nem de longe são meu tipo de literatura favorita. Gosto e leio os best-sellers da vida, mas no fim os meus livros favoritos acabam sendo meio "fora da caixinha" mesmo. Li recentemente O morro dos ventos uivantes e AMEI LITROS, tô meio obcecada pelos clássicos agora!
ResponderExcluirEnfim, fugindo do assunto, tô vendo seus vídeos, já tinha dado uma lida nos posts e simplesmente adoro o jeito como vc fala das coisas. Virei fã. Não deixa de atualizar isso aqui nãããoooo!
Beijos!
gostei. to curtindo seus videos e gostei da resenha objetiva que vc fez do livro. beijos
ResponderExcluirolá bom dia... acompanho o Ulises desde as primeiras paginas que vc estava louca, pois não estava conseguindo entender... rs
ResponderExcluirParabéns por finalizar a leitura. Como vc disse no video tem que ter o momento certo, e confesso que não é o meu momento certo para que eu possa pegar e ler um livro deste... mas quem sabe um dia... Bjsss
Adoro seus videos de livros... bjss e até!
Tatiana,
ResponderExcluirGostei muito da sua resenha e como sempre ri bastante com seu modo descontraído de escrever.
Já venho namorando o Ulisses tem um tempo, justamente por conta da faculdade, os professores falam tanto...mas aí, vc tb tem tanta coisa pra ler, prova, trabalho, monografia...
Fiquei me coçando quando, no outro dia, uma amiga foi em um seminário na UERJ só sobre este livro e ela saiu de lá encantada...
Definitivamente tenho que ler!
bjks
ai Tati, posso confessar? Móóóóó preguiça de ler este livro viu, só me deu uma coceirinha de curiosidade por sua causa (que bom né? levando os seres vegetativos ao movimento pró-vida!!!hehe)! Bom, entrou na minha listinha, mas confesso que é o último!rs Enfim, um dia eu largo essa má vontade e encaro!! kisses Ah, tirei 4.5 na minha última prova escrita de inglês e 8.2 na parte oral e a professora me olhou tipo assim "como assim, não entendi!" e eu olhei tipo assim "tbm não entendi, coisas infundadas de um ser infundado!" :T
ResponderExcluirOi Tati, vou plagiar um comentario acima que disse..."virei fã". Eu tb! Adoro o jeito como vc fala, as dicas sobre livros então...hummm.
ResponderExcluirAnoto todas. Fiquei muito curiosa para ler Ulisses.
No momento estou lendo um livro beemmmm antigo: "O vermelho e o Negro" de Stendhal, vc já leu?
é muito bom.
Tem muita literatura barata por aí, por isso gosto muito qdo encontro alguem inteligente deixando boas sugestões.
Continue nos dando boas dicas de livros e tantas outras.
Um beijão,
Cris
:)
ResponderExcluirTatiana, primeiramente tenho que lhe dizer, tens um nome bonito! É um nome sonoro, delicado, equilibrado. Agora voltemos a literatura: minha grande paixão! (e ao que me parece a sua também). Ulisses, James Joyce, obra e autor, ambos de uma firmeza, de uma riqueza imensa. É difícil falar acerca desta obra (tu o fizeste de uma forma leve, o que é agradável), pois este livro tem um peso imenso na história da literatura: é considerado o livro mais importante da história (pelos críticos). Devo lhe dar os parabéns também pelo video sobre o Crime e Castigo (gostei da sua pronúncia: Raskólnikov) ficou o eco na minha cabeça. Fico contente por ter conhecido o seu Blog e lido seu post, mas acima de tudo, de reconhecer em ti uma leitora, estudiosa, uma mulher de letras, cuja fibra sensível toca-nos com seu humor e leveza. Continue em frente, pois sempre que possível vir-me-ei aqui ler-te.
ResponderExcluirAbraço.
Meu deus, vc é minha ídala! Eu tenho Ulysses só pra enfeitar a estante.
ResponderExcluirSeu blog e seu blog são delicinha.
Nossa acho que essa frase:
ResponderExcluir"Com tanta leitura fast-food (e algumas vezes, junk food) por aí, de fácil assimilação e desafio ZERO, um livro desses não tem preço."
Defini perfeitamente meu sentimento em relação as minhas ultimas leituras, falta substancia e um desafio maior que superar 500, 600 ou 700 páginas de livros instantâneos...
Vou procurar essa edição e começar minha peregrinação por Ulisses.
Lembro de uma entrevista com Paulo Coelho onde alguns críticos tentavam alfinetá-lo a respeito dos seus livros e o fato de ele ter uma cadeira na ABL.
ResponderExcluirEle pacientemente responde e perto do final, pegunta a esses, quem já havia lido Ulisses. O primeiro disse que tinha parado na metade o segundo disse que apenas lera as 100 paginas alguns desconversaram...
Daí da para se ter uma idéia em relação a "qualidade" dos críticos brasileiros.
Paulo Coelho deu um tapa com luva de pelica...
A vc Tatiana, parabéns!!!
Um dia quem sabe eu consiga...
Marcos
Olá Tatiana.
ResponderExcluirPara cair por aqui, é por que estava pesquisando. Obvio. rsrsrs
Quem que numa época não deixou a cultura de lado e foi viver o tempo, e quando o tempo passou nada melhor do que voltar para trás e ver o quanto desperdiçamos nossas grandes intelectualidades. Ainda bem que na vida de escola entrei várias vezes numa biblioteca e li pelo menos 5 livros. É muito para uma época um pouco estranha.
Sobre o livro Ulisses não o li, mas já vi vários comentários sobre o mesmo, e me despertou a curiosidade, vou por na minha lista de livros.
Obrigado por ampliar nossas pesquisas, fico agradecido em estar folheando este imenso blog de cultura.
Beijos Fique com Deus.
Rodrigo.Ap.B.B
Poeta da Liberdade.
Somos o que Somos.
olá Tati, adorei sua persistencia em ler Ulisses e estou feliz por ter terminado. você já leu as cronicas de gelo e fogo? e a maldição do tigre da colleen houck? dá uma olhada ok? bjs
ResponderExcluirMinha opinião. Um projeto magnífico sufocado por uma vaidade absurda de mostrar cultura. Vamos combinar, passagens como os dois conversando tipo perguntas e respostas e outras, o paralelo obsessivo com Odisséia, a coisa dos órgãos etc. Não dá pra encarar. Se o livro fosse feito com a genialidade simples do monólogo de Molly, aí sim, teríamos só a obra-prima e não o gênio autor dela...
ResponderExcluir\o/ \o/ \o/...
ExcluirBem, o comentário é meio temporão, pois "descobri" seu blog apenas hj. Ainda não li Ulysses, mas sem dúvida está na minha fila de leitura. Não sei se vc chegou a ver, mas foi lançada uma nova tradução. Fui a uma aula aberta com o tradutor e fiquei com mais vontade ainda de ler o livro. Só o fato de ele (o tradutor) ter dado sentido ao fato de muitas pessoas não conseguirem ir além da primeiras cem páginas, já valeu a pena. Falei um pouco disso no meu blog (http://migre.me/aDzfR).
ResponderExcluirGostei bastante da sua resenha, principalmente da sua observação sobre leitura de consumo rápido em comparação a obras que, assim como Ulysses, têm de ser degustadas calmamente.
Oi Tatiana, adorei o que você escreveu sobre Ulisses, eu concordo com você, acho importante lembrar que Ulysses é, em primeiro lugar, um romance, um dos maiores de todos, não um quebra-cabeça. É uma leitura difícil, e cheia de armadilhas, mas ainda sim uma leitura, que demanda um pouco mais de dedicação. O Joyce falava "The only demand I make of my reader is that he should devote his whole life to reading my works" isso é uma piada do Joyce, mas tem gente que se assusta muito com ela. Eu acho "O homem sem qualidades", de Musil muito mais difícil de ler, por que Ulisses é um livro, engraçado e divertido, a leitura é mais fácil assim, eu não sei se compreendi como deveria, mas literatura é isso, não tem um certo e um errado, varia de acordo com a perspectiva de cada um e com o que cada um se identifica. Eu diria que uma leitura interessada já basta para torná-lo um grande romance, mesmo que não se queira entrar nos enigmas e quebra-cabeças que manterão os intelectuais por séculos ocupados em suas entrelinhas como fala a piada do autor. Mais uma vez adorei seu texto, e adoro seus vídeos. parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirÉ praticamente impossível não ter vontade de ler Ulisses depois de ler o seu post, Tati. Mas ainda acho que ainda não estou no momento certo para lê-lo como ele merece.
ResponderExcluirEstou fazendo Tradução/Intérprete também e já fui avisada que lerei Ulysses, só não sei será em inglês ou em português. Ou os dois.
ResponderExcluirOlá Tati, adorei o vídeo e o texto sobre Ulisses. Acho que vc contribuiu muito para desmistificar o livro. Adorei o conselho de encará-lo como um livro. Perfeito! Parabéns. Só não vou ler nessa fase da minha vida por falta de tempo mesmo. Dua filhas pequenas consomem todo tempo de uma mãe. No momento ando preferindo leituras mais curtas, mas não tenho mais medo de encarar Ulisses, graças a você. Obrigada.
ResponderExcluirOlá Tati, muito bom seu comentário! concordo quando vc fala que é apenas um livro. É isso aí, vou lê-lo também. Obrigada :)))))
ResponderExcluirJá tenho a curiosidade de ler esse livro faz um tempo... vejo pessoal falando "ah muito difícil e não sei mais o que..."
ResponderExcluirAcho que seria melhor pra todo mundo se pessoal só encarassem os livros como livros. Apenas. Acho que no momento que algum pensamento como "muito difícil", "muito fácil", julgamentos no geral, afeta muito a forma como sua leitura ocorre. E a sua opinião sobre.
Enfim, primeiro post sobre livro que leio do seu blog (eu só vejo os seus vídeos haha) adorei a forma como você escreve.
Beijos
Gostaria de saber de qual editora é este exemplar do Ulisses e o tradutor. Alguém poderia ajudar, por favor?
ResponderExcluirObrigada!
Olá... gostaria de saber qual é a editora deste exemplar, bem como o tradutor, por favor. Obrigada.
ResponderExcluirCool
ResponderExcluirOla Tatiana. Interessante suas observações sobre Ulysses. Tenho a tradução de Houaus dos anos 70. Deve ser a primeira, muito festejada e comentada. Lembro que foi entrevistado pelo Pasquim na época. Tinha até jma gozação do Paulo Francis que dizia que lia Ulysses no original, que era motivo de risada.
ResponderExcluirDa minha parte, devo dizer que a minha estrategia de leitura não funcionou. Tentei várias vezes e não consegui. O que me confortou foi um comentario, se não me engano de um poeta que não me lembro o nome que o livro era mais um exercício sobre kmformas literárias, portanto, estava mais para especialista do que leitor comum.
Fiquei então com a ideia que não perdi nada. Mas com a sua resenha percebo que o conteúdo é digno de ser aprendido. Mas, ainda, seja necessário um roteiro a cada capítulo para ter uma boa compreensão.
A forma de ler não permite ir a frente se tiver dúvidas ou não compreender. Pelo que voce disse isso é um empecilho. Gostaria da sua apreciação, vez que vc tem toda perícia.
Abraços. Astelio.